terça-feira, 5 de outubro de 2010

FUTURISMO (1909)

“- Olhem-nos! Nós não estamos esfalfados...Nosso coração não tem a menor fadiga. Porque ele está nutrido pelo fogo, pelo ódio e pela velocidade!...Isso o espanta? É que você não se lembra mesmo de ter vivido.”


Em 20 de fevereiro de 1909, o italiano Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), publica no jornal Le Fígaro, de Paris, um famoso manifesto: O Manifesto do Futurismo, em que apresentou sua oposição às fórmulas tradicionais e acadêmicas, expondo a necessidade de abandonar as velhas fórmulas e criar uma arte livre e anárquica, capaz de expressar o dinamismo e a energia da moderna sociedade industrial.


Suas primeiras obras foram poemas que escreveu para revistas literárias e, mais tarde. para sua própria revista - Poesia. Este não foi o único movimento italiano de vanguarda, tendo sido no entanto o mais radical de todos, por pregar ruidosamente a antitradição. Indicava que as artes demolissem o passado e tudo o mais que significasse tradição, e celebrassem a velocidade, a era mecânica a eletricidade, o dinamismo, a guerra.
De vocação política, elitista, totalitária e reacionária, o Movimento nasceu com nome, com manifesto, com um líder e centralizado na Itália, especificamente em Roma por ser uma das cidades mais antigas do mundo (resquícios de uma civilização antiga: Senado, Exército e Tribunal), enterrou-se junto com o fascismo em 1918, quando a Itália perde a guerra.
No século XIX, encontramos a industrialização só em Milão, o resto do país era agrário, Marinetti preocupado que sua terra natal (Roma) entrasse nessa modernidade através da comunicação e vencesse o passado, publica em 20 de fevereiro de 1909 (matéria paga) o Manifesto Futurista. Na época de sua publicação o movimento futurista ainda não existia, o que existia na realidade era ele, Sr.Marinetti e seu dinheiro.
“Le Figaro” era um jornal de direita e o FUTURISMO propunha uma ideia revolucionária, antecipando as más intenções do seu líder e a escolha do local (França) para causar sensação. Era inevitável que o ataque destruidor acabasse por ser pronunciado publicamente a grito, feito até com muita eloquência e escandalosas demonstrações.
A partir da queda do Império Romano, a Itália foi à grande agredida, embora conseguisse se separar muito bem na hora do seu Renascimento, declarando “bárbara” (goda, gótica, nórdica) toda a fabulosa espiritualidade criadora da Idade Média.
Desde o século XVIII, Paris vinha suplantando Roma.
Para ser romântica, realista, impressionista, divisionista, a Itália não tem outra opção que contemplar a França e denunciar a perda de sua envolvente prepotência artística.
A Itália tentou se recuperar com o Futurismo, lançando-se primeiro pela via literária, em seguida pelas artes plásticas e depois pela música. Para isso, utilizou-se dos “manifestos”, que a partir de então recorreriam com frequência os grupos próximos à vanguarda artística com tanto ânimo de agredir como de escandalizar.

“É na Itália onde lançamos este manifesto de violência destruidora e incendiária, mediante o qual fundamos hoje o Futurismo, porque queremos livra a Itália de sua gangrena de professores, arqueólogos, cicerones e antiquários.
Durante muito tempo, a Itália foi o grande mercado dos adeleiros. Queremos libertá-la dos inumeráveis museus que a cobrem de incontáveis cemitérios.
Museus cemitérios...! Idênticos certamente em seu sinistro roçar de corpos que se ignoram. Quartos públicos onde se dorme para sempre junto a seres odiosos ou desconhecidos. Ferocidade recíproca dos pintores e escultores que se matam entre si a golpes de linhas e de cores no mesmo museu.
Que lhes façam uma visita anual como se visitam os mortos uma vez por ano...Podemos, com certeza, admiti-lo...! Inclusive que uma vez ao ano se depositem flores aos pés da “Gioconda”, aceitamos...! Mas que passeiem cotidianamente nos museus nossas tristezas, nossas frágeis valentias e nossa inquietude não consentimos...! Que querem, se envenenarem? Apodrecerem? O que pode ser encontrado num quadro velho se não a penosa contorção do artista em seus esforços por romper as barreiras infranqueáveis que se opuseram a seu desejo de exprimir totalmente seus sonhos?
Admirar um quadro velho é derramar nossa sensibilidade numa urna funerária, em vez de empoçá-la para frente mediante violentos jatos de criação e de ação. É que querem, assim, gastar mal suas melhores forças numa inútil admiração do passado da qual se sai forçosamente esgotado, diminuído e pisoteado?
A verdade é que a frequência cotidiana aos museus, às bibliotecas e às academias (esses cemitérios de esforços perdidos, esses calvários de sonhos crucificados, esses registros de impulsos rompidos...!) é para o artista como a prolongada tutela dos pais para os rapazes inteligentes, embriagados por ser talento e por sua ambiciosa vontade.
Para os moribundos, os inválidos e os prisioneiros, está bem. Será por acaso o passado admirável um bálsamo para suas feridas, toda vez que o porvir lhes está vedado...Mas nós, os jovens, os fortes, os Futuristas viventes não o queremos!”

Através de mais de vinte manifestos e conferências (aliás, mais manifestos que obras, propriamente ditas), Marinetti defendia: a guerra, “a única higiene do mundo”; o militarismo; o patriotismo; o gesto destruidor dos anarquistas; a energia; a agressividade; a velocidade; a negação ao passado; o perigo; a audácia; a bofetada e o soco; a demolição de museus e bibliotecas; o combate ao feminismo; enfim, à exaltação de um mundo moderno, dinâmico e tecnológico.

"O combate a todos os velhos valores. Por uma nova estética". Esta foi a decisão tomada por um grupo de pintores e escritores italianos depois de uma noite de farra. Uma louca corrida de carro contra o sol nascente selaria o nascimento de uma nova aliança artística. A viagem terminou numa valeta, mas a ideia foi colocada no papel e publicada no jornal Le Figaro, em 11 artigos.
"Declaramos que o esplendor do mundo enriqueceu com uma nova beleza: o deslumbramento da velocidade. Nenhuma obra de mestre sem o devido momento de agressividade. Pretendemos destruir os museus e as bibliotecas, combater o moralismo, o feminismo e todas as covardias oportunistas que buscam o proveito."

Para os futuristas, os objetos não se esgotavam no contorno aparente e seus aspectos se interpenetravam continuamente — ao mesmo tempo ou vários tempos num só espaço. Procurava-se expressar o movimento real, registrando a velocidade descrita pelas figuras em movimento no espaço.
O futurista não se preocupava em pintar um automóvel, mas captar a forma plástica, a velocidade descrita por ele no espaço. Os objetos eram mostrados de uma forma que normalmente não se podia ver: um rosto, por exemplo, de frente e perfil ao mesmo tempo. Nas artes plásticas, o futurismo foi o ponto de partida de várias orientações, como o cubismo, surrealismo e o construtivismo. As poesias futuristas usaram uma linguagem extremamente radical, com economia de palavras.
É importante salientar dois aspectos muito relevantes do Futurismo: primeiro, a total identificação entre o movimento e seu líder, a ponto de se tornarem quase sinônimas as palavras Futurismo e Marinetti; segundo, a adesão de Marinetti ao fascismo de Mussolini, a partir de 1919, dadas as evidentes afinidades ideológicas entre eles.
Em 1932, Mussolini posa segurando um livro ao lado de Marinetti juntando suas forças acentuando a proposta de ultra direita.




E, se na área cultural o Futurismo parecia uma febre inofensiva dos artistas, foi fatal na política. As ideias dos futuristas, recheadas de idolatria à violência, ao militarismo e ao patriotismo, em parte foram introduzidas em programas fascistas. A guerra chegava a ser vista como uma "higiene do mundo".
Nos campos de batalha da Primeira e Segunda Guerra Mundial, muitos futuristas foram confrontados com a amplitude de suas palavras. Foram obrigados a lutar, ficaram feridos, perderam a vida. E justamente aqueles que Marinetti inspirou com sua nova estética criaram outro nome para o futurismo: arte degenerada.
Alguns jovens artistas tentaram reavivá-lo depois da guerra, mas sem sucesso. No entanto, sua influência sobre os movimentos modernos que se seguiram foi importante e duradoura.
O futurismo encontrou simpatizantes em toda a Europa e em todas as áreas, entre eles Umberto Boccioni, Luigi Russolo e Carlo Carrà, autores do Manifesto dos pintores futuristas (1910), no mesmo ano em que Boccioni redigiria o Manifesto técnico da pintura futurista.
Em 1921, Oswald de Andrade publicou um artigo homenageando seu amigo Mario de Andrade chamando-o de “O meu poeta futurista”, causando um tremendo mal estar, pois temendo ser identificado com o fascismo, Mário de Andrade contestou em seu “Prefácio Interessantíssimo” de Paulicéia Desvairada, afirmando: “Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repito-o. Tenho pontos em contato com o futurismo.”
Marinetti esteve no Brasil em duas ocasiões: a primeira visita, em 1926, proferiu uma conferência futurista para uma platéia ruidosa e que acabou virando Ocorrência Policial e em 1936, já adepto ao fascismo e fazendo campanha a Mussolini, foi recepcionado aos brados de “Anauê” pelos fascistas tupiniquins, exaltando o massacre italiano contra os negros da Etiópia.
Em 1917, em Lisboa, aconteceu um “espetáculo futurista”, com a participação de Santa Rita-Pintor e Almada Negreiros e no mesmo ano, foi publicado o único número da revista Portugal futurista contendo textos de Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro, Apollinaire, Blaise Cendrars e de Álvaro de Campos.



MANIFESTO DO FUTURISMO (fragmento)


“Ficamos acordados a noite toda, meus amigos e eu, sob as lâmpadas orientais das cúpulas de latão perfurado, estreladas como as nossas almas, porque como estas irradiadas pelo fulgor fechado de um coração elétrico. Passeamos longamente sobre opulentos tapetes orientais a nossa atávica preguiça, discutindo diante dos confins extremos da lógica e escurecendo muito papel com frenéticas escritas.”

“Então, com o vulto coberto pela boa lama das fábricas – empaste de escórias metálicas, de suores inúteis, de fuligens celestes -, contundidos e enfaixados os braços, mas impávidos, ditamos nossas primeiras vontades a todos os homens vivos na terra...”


Nesses fragmentos, observamos a ordem indireta, recurso comum aos parnasianos; descrição de um ambiente luxuoso versus eletrizado; excessos de adjetivos e comparações, lembrando-nos um texto Rococó, que não se desenvolve, além de citar a “atávica preguiça”, característica da classe social que ele pertence.

Trazendo uma proposta anarquista, porém ambígua pelo estilo rebuscado, o autor utiliza-se de uma linguagem arcaica, ultrapassada para promover um ato populista de destruição da sociedade tal como ela era em nome das máquinas.
Marinetti contrapõe a “atávica preguiça” pela “boa lama das fábricas”, insinuando deslocamento e velocidade e a “lama das fábricas” e “os suores inúteis” referindo-se às máquinas que trabalham e não ao homem.

Marinetti percorre toda a Europa para divulgar o “seu” Futurismo.

1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade.

2. Os elementos essenciais de nossa poesia serão a coragem, a audácia e a revolta.

3. Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto mortal, a bofetada e o soco.

4. Nós declaramos que o esplendor do mundo se enriqueceu com uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre adomado de grossos tubos que parece correr sobre a metralha, é mais belo que a Vitória de Samotrácia.

5. Nós queremos cantar o homem que está na direção, cuja haste ideal atravessa a Terra, arremessada sobre o circuito de sua órbita.

6. É preciso que o poeta se desgaste com calor, brilho e prodigalidade, para aumentar o fervor entusiástico dos elementos primordiais.

7. Não há mais beleza senão na luta. Nada de obra prima sem um caráter agressivo. A poesia deve ser um assalto violento contra as forças desconhecidas, para intimá-las a deitar-se diante do homem.

8. Nós estamos sobre o promontório extremo dos séculos!...Para que olhar para trás, no momento em que é preciso arrombar as misteriosas portas do impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós vivemos já no absoluto, já que nós criamos a eterna velocidade onipresente.

9. Nós queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo – o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as belas ideias que matam, e o menosprezo à mulher.

10. Nós queremos demolir os museus, as bibliotecas, combater o moralismo, o feminismo e todas as covardias oportunistas e utilitárias.

11. Nós cantaremos as grandes multidões movimentadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela revolta; as marés multicoloridas e polifônicas das revoluções nas capitais modernas; a vibração noturna dos arsenais e dos estaleiros sob suas violentas luas elétricas; as estações glutonas comedoras de serpentes que fumam; as usinas suspensas nas nuvens pelos barbantes de suas fumaças; as pontes para pulos de ginastas lançadas sobre a cutelaria diabólica dos rios ensolarados; os navios aventureiros farejando o horizonte; as locomotivas de grande peito, que escoucinham os trilhos, como enormes cavalos de aço freados por longos tubos, e o vôo deslizante dos aeroplanos, cuja hélice tem os estalos da bandeira e os aplausos da multidão entusiasta.


MARINETTI está se referindo às letras, mas não deixa de se lembrar dos museus e reafirma sua absurda comparação com os exemplos do automóvel, um artigo impossível sem a estética do desenho industrial e da belíssima, helenística, “Nike” de Samotrácia. E, o mais revelador é sua necessidade de agredir pelo âmbito cultural ao extremo e considerar benfeitora e higiênica, a própria calamidade da guerra.

Vitória da Samotrácia – escultura grega do século II a.c. considerada uma das mais perfeitas obras de arte existentes.






Apesar de claramente antifeminista, o futurismo também atraiu mulheres. A escritora Valentine de Saint-Point chegou a publicar um manifesto da mulher futurista, também com termos de agressividade: "O que mais falta às mulheres, assim como aos homens, é a masculinidade. E para conferir mais masculinidade às nossas raças, fixadas na feminilidade, é preciso confrontá-las com a brutalidade. É preciso impor um novo dogma da energia aos homens e mulheres, para que a civilização finalmente atinja um nível mais alto".
Porém, o ataque ao feminismo de MARINETTI é oriundo da economia capitalista. A mulher burguesa não trabalhava, era a vitrine do marido e só servia para mostrar o poder do marido. Dessa forma, o feminismo era uma ameaça.
Marinetti percebeu que as mulheres não gostaram das afirmações e se revoltaram. Para não perder um grande público (as mulheres perfaziam 50% das camadas inferiores e com a guerra, elas foram para a fábrica), em 1911, o líder Marinetti desconversa sobre o feminismo e afirma que se referia somente “as donzelas”.
O Futurismo não só produziu muitos manifestos em várias áreas estéticas (teatro, pintura, cinema, música, arquitetura), como um controvertido manifesto da religião futurista e até um surpreendente Manifesto do Partido Político Futurista (que desmente a tão falada filiação do movimento ao Fascismo de Mussolini).













MANIFESTO TÉCNICO DA LITERATURA FUTURISTA (fragmentos)

Em 1912, surge o Manifesto Técnico da Literatura Futurista, propondo “a destruição da sintaxe “através da técnica denominada por Marinetti de “palavras em liberdade”, dispondo os substantivos ao acaso, como nascem, o uso de símbolos matemáticos; musicais; o menosprezo pelo adjetivo, inconcebível para a visão dinâmica, por sugerir pausa; meditação e a abolição do advérbio entendida como uma velha fivela que mantém as palavras unidas, conservando, na frase, uma enfadonha seriedade de tom; a eliminação da pontuação por sugerir pausas; a substituição por sinais matemáticos e musicais e a “livre associação de ideias”.
A literatura deveria conter, em sua forma e conteúdo, o dinamismo do capitalismo urbano e industrial. Daí, o uso fragmentado e telegráfico da linguagem verbal, tentando apresentar um ritmo mais acelerado e violento à leitura.
Em seguida, MARINETTI publicou o Manifesto na Itália, reuniu alguns artistas acadêmicos e com uma escrita não linear, começou a frequentar lugares públicos e fazer happening (acontecimentos, chegar junto ao seu receptor, ações performáticas, arte efêmera construída para àquela hora). Marinetti brincava com a visualidade das palavras e descontinuidade dava ideia de caos.
A técnica torna o texto um aglomerado de palavras soltas e desconexas em que se quebra violentamente com a linearidade da língua, rompendo com o período canônico: sujeito, verbo e complemento. A ousadia não para por aí. Com a colocação de signos não-linguísticos, recortes de jornal, etc, o texto futurista configura uma das características mais perturbadoras da arte moderna: o hibridismo, ou seja, a ausência de fronteiras visíveis entre a literatura e as artes-plásticas.
Dadas às características, seria difícil classificar o texto futurista na divisão tradicional em prosa ou poesia. Não é poesia, porque rompe com o verso, seja metrificado ou livre e não é prosa, porque não apresentam frases, períodos, parágrafos.



Nenhum comentário: