terça-feira, 30 de novembro de 2010

A baronesa, Contos de Aprendiz





“A BARONESA”




Trata-se da história de uma baronesa que “era antiquíssima”, uma boa senhora, embora chata que numa noite “sem qualquer incômodo para os da casa, tinha-se finado”.

A velha senhora da época do Império, chamava-se Ana Clementina de Soromenho Pinheiro Lobo e Figueiredo Moutinho..., inclusive com as reticências, descendente de “família de fino trato”. Já estava surda, tinha dificuldades de se locomover, esquecida e vivia remoendo-se, vivendo do passado e recordando-se bailes idos e casos antigos.





Vivia num “estranho apartamento, se juntarmos em sua representação os móveis modernos aos objetos remotos, o duco ao bolor (invisível, mas eterno) que envolve as caixas de madrepérola onde se guardam fitas e broches de antigamente. O living – aquela maravilha de claridade, sbre a baía. Mas no fundo do corredor, a porta do quarto da baronesa marcava o limite de uma região de sombra, rapé, reumatismo, pigarro, bolinhas de cânfora, gorgorão presidido pelo ceticismo do senador, que vinha dos velhos tempos e não se integrava aos novos, porém derramava sobre todas as épocas, raças, religiões e costumes, uma indulgência plenária não isenta de desprezo.”
Luís vivia nesse apartamento há um mês, porém só vira a baronesa quatro vezes. Ao ser notificado sobre a morte da baronesa, imediatamente, foi buscar Renato, o sobrinho neto da mesma. Seus interesses longe de respeito, carinho e afeição com a baronesa estavam centrados na possibilidade de usufruírem de seus pertences, suas jóias de um século e convertê-las em um bom dinheiro ou transformá-las em algo moderno.
 Essa herança aos poucos estava esvaindo-se, algumas dadas de presente de casamentos e batizados e outras perdidas pelo apartamento e desaparecendo inexplicavelmente...

 Chegaram tarde: “os braços da baronesa estavam nus, os dedos vazios”, restando-lhes, apenas, os brincos que depois de arrancá-los de suas orelhas com muitas dificuldades, abandona o quarto deixando o corpo da velha caído descuidadamente.

 Em seguida, Renato comenta com Luís que acredita que a causa mortis da baronesa foi o seu colar:





“Acho que ela morreu foi do colar...Você se lembra que ele dava três voltas folgadas? Cada vez que um da turma precisava de grana, chegava perto da velha, no sono, e arrancava uma conta. O colar foi diminuindo, diminuindo. Na última vez que eu vi a baronesa, ele dava só uma volta, e olhe lá.”



 
Dirigem-se ao banheiro, fazem a partilha justa da “herança” e depois, Renato retorna aos braços de uma de suas amadas.

Dessa maneira, a viúva do barão “cujo patrimônio sobrevivera á corte”, morre e tem seu corpo violado por seus próprios familiares que almejam lhe roubar as jóias.

A baronesa metaforiza o tradicional, o conservadorismo, o antiquado.

Sua morte é o fio condutor do conto e simboliza de forma alegórica o fim do Segundo Reinado, como afirma o narrador: “Assim acabou o Segundo Reinado”.

O conto se desenvolve através do dualismo entre a tradição versus a ruptura.

A descrição do ambiente, um apartamento que, por si, é uma representação do moderno já que o Rio de Janeiro da época do Império é mais conhecido por suas construções horizontais já evidencia essa ruptura.


  “(Estranho apartamento, se juntarmos em sua representação os modernos aos objetos remotos, o duco ao bolor (invisível, mas eterno) que envolve as caixas de madrepérola onde se guardam fitas e broches de antigamente. O living - aquela maravilha de claridade, sobre a baía. Mas, no fundo do corredor, a porta do quarto da baronesa marcava o limite de uma região de sombra, rapé, reumatismo, pigarro, bolinhas de cânfora, gorgorão de seda, pentes de monograma, conversa de bailes idos. Tudo presidido pelo ceticismo do senador que vinha dos velhos tempos e não se integrava nos novos, porém derramava sobre todas as épocas, raças, religiões e costumes, uma indulgência plenária, não isenta de desprezo.”
 Esse fato é confirmado quando o narrador reflete, inclusive, sobre a dificuldade de se morrer em apartamento:

“Impossível conceber enterro saindo de um edifício de apartamentos, onde os mortos são intrusos.”

 Outra característica importante a ser ressaltada é quanto à linguagem que permeia o conto. Carlos Drummond de Andrade contrapõe o estilo linguístico conservador, purista e clássico nas falas do senador (tradição) com o coloquialismo nos diálogos do sobrinho neto da baronesa (ruptura).

O autor representante do modernismo sem apresentar posição ideológica em favor de uma língua mais clássica ou mais coloquial utiliza-se desse recurso literário para expressar sua consciência crítica, característica da modernidade literária e atribuir um caráter alegórico ao conto.

 “ – Luis, avise a Renato que a baronesa faleceu.
Luís, hóspede da casa, estava de costas, debruçado sobre xícaras e pratos.
Apenas voltou a cabeça.
- Visp’rou, senador
- Como, visp’rou?
- Quer dizer, bateu o 31, esticou...”






domingo, 21 de novembro de 2010

Construtivismo Russo


1913 - 1930


I – DADOS CRONOLÓGICOS:


O Construtivismo é o movimento das artes plásticas, do cinema e do teatro que ocorre basicamente na Rússia, com importante papel no apoio à Revolução Russa de 1917 e teve como alguns artistas: Ilya Chashnik, Alexandra Exter, Naum Gabo, El Lissitzky, Antoine Pevsner, Lyubov Popova, Aleksandr Rodchenko, Olga Rozanova, Varvara Stepanova, Vladimir Tatlin, Aleksandr Vesnin.
Desde 1913, o Construtivismo insere-se no grupo das artes de vanguarda e revolucionárias lideradas pelo teórico russo e poeta futurista Vladimir Maiakóvski (1893-1930).
Depois da Revolução Bolchevique de 1917, os artistas construtivistas ganharam poder político e são oficialmente sustentadas pelo governo de Lênin. Essa posição causou um desacordo entre aqueles interessados numa arte pessoal e aqueles ocupados em fazer um design utilitário para as massas.



O governo de Stalin não compreende que a revolução artística vinha de encontro com os pressupostos socialistas e persegue os construtivistas, acusando-os de elitistas e inventores de uma forma de arte sem propósito, impossibilitando a arte clássica e tradicional chegarem até o proletariado.
O partido comunista decretou que a arte deveria ser funcional, uma arte para as massas e, de preferência, aliada à propaganda.
Stalin enviou os artistas não-conformistas para campos de trabalho e trancou suas obras modernistas no porão.
O Construtivismo, assim, marcou o fim de uma era brilhante.
Em 1925, o Comitê Central do Partido Comunista saiu contra a abstração; em 1932 todos os grupos culturais dispersaram-se, e em 1934 um novo estilo de propaganda do realismo social se tornou a única abordagem artística oficial da União Soviética.
A mais expressiva vanguarda russa na arte foi assim dissipada e os artistas tiveram que optar em permanecer na Rússia e continuar nos moldes artísticos dos séculos anteriores, ou mudar para o oeste. Muitos foram lecionar na Bauhaus, escola alemã orientada para o design e para tecnologia, surgida como uma necessidade imposta pela expansão industrial e influenciaram toda Europa e Estados Unidos.



II – CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL:


A revolução de 1917 fez a conversão da sociedade russa do estado feudal para a “república do povo”. Lênin tolerou o movimento de vanguarda, achando que podia transmitir sua ideologia ao público iletrado através do desenvolvimento de novos estilos visuais. Porém, por um breve período, antes de Stalin chegar ao poder e proibir a pintura “elitista” de cavalete. Os artistas russos mais ousados promoveram uma revolução não só artística, mas também social. Sua intenção era despir a arte, assim como o Estado, dos anacronismos burgueses e refazer a arte, tal como a sociedade, a partir do zero.
O termo Construtivismo surgiu em 1921 em debates sobre o propósito da arte estimulada pelo "Manifesto Realístico" de Naum Gabo e Antoine Pevsner, em 1920. Apesar da rejeição das pinturas convencionais de cavalete e da ideia de arte pela arte a favor de desenhos utilitários destinados à produção em massa, a Abstração Construtivista encontra suas raízes na arte não utilitária de Kazimir Malevich e Pablo Picasso.
Em 1912 Picasso criou a sua primeira construção ou assemblage - um pedaço de metal e arame no formato de um violão, onde as formas angulares das pinturas e colagens transformaram-se em três dimensões.
Quando Vladimir Tatlin volta a Moscou depois de visitar Picasso em Paris em 1913, começou a construir contra-relevos - assemblages abstratas de metal industrializado, arame, madeira, plástico e vidro. Para Tatlin os contra-relevos ficavam numa zona intermediária entre a pintura e a escultura porque fugiam da estabilidade dos pedestais ou das paredes, ficando muitas vezes suspensos por arames estendidos de diversas maneiras no encontro de duas paredes. Ele dava muito mais ênfase ao espaço, do que com a matéria, e isso o fazia revolucionário.
Muitas construções, como o “Monumento para a Terceira Internacional” (1919), criado por Tatlin, são protótipos para arquitetura, cenários ou desenho industrial. Outros, influenciados pelas abstrações de Malevich, são objetos puramente abstratos e não funcionais; mas, no entanto, podem ter o mesmo propósito, como as esculturas cinéticas de Aleksandr Rodchenko que parecem antecipar modelos moleculares e celebram a racionalidade científica e a tecnologia da era da máquina.



III – CARACTERÍSTICAS:


HERMANO OPERÁRIO, PROTEGE TUA IRMÃ DA PROSTITUIÇÃO, 1923.


Em torno de 1914, TATLIN, inaugurou a arte geométrica russa:

CONSTRUTIVISMO porque sua característica principal era a “construção” da arte e não a sua “criação”.

Assim, a proposta primordial do Construtivismo refletia as alterações provocadas pela revolução industrial na vida cotidiana e artística e a defesa da arte funcional, que deve atender às necessidades do povo.
O movimento artístico adquire características próprias perseguindo o ideal de abstração, pois, despoja-se de qualquer alusão à natureza. Trata-se de uma arte anti naturalista e gera formas segundo uma ordem matemática, propondo uma arte abstrata, geométrica e autônoma.
Dessa forma, corresponde a uma ruptura total com a tradição da mímese ou da representação da realidade visível.
O grupo surge como uma decorrência do Futurismo italiano e suas imagens múltiplas sobrepostas para expressar a agitação da vida moderna e, do Cubismo francês, as formas quebradas. Rompe radicalmente com a arte do passado (da representação do real) e propõe uma nova linguagem plástico-pictórica: "O mundo da não-representação" (Malevitch).
Esses artistas levaram a arte a evoluir do representativo para o abstrato, acreditavam que poderiam construir uma utopia tecnológica por meio de seus projetos e defendiam que a arte precisa dar a ideia de revolução em andamento. Para tanto, ela deve fabricar objetos para o povo, e não apenas luxo para os ricos.
A pintura e a escultura precisam ser funcionais, por isso aparecem muito ligadas à arquitetura.
O Construtivismo apresenta a ideia de "construir" usando materiais naturais e sintéticos oferecidos pela industrialização. As obras se apresentam como objetos compostos de elementos geométricos em materiais diversos como metal, vidro, papelão, madeira, acrílico, plástico, dentre outros em obras tridimensionais.
Marca o início da preocupação da arte em criar objetos numa nova direção: a virtual, no sentido que a ênfase está mais no espaço vazio que na massa, na ausência que na presença. O objeto artístico se liberta de sua base, do pedestal, do paralelismo à parede e trabalha mais com o espaço como elemento da linguagem plástica.
Na pintura chega ao branco sobre o branco, ressaltando o objeto "tela" como elemento mais importante que representações feitas sobre sua superfície. Nesta acepção está denotada a valorização do objeto industrial frente ao artesanal e a consequente dessacralização do objeto artístico.
Os cubistas George Braque e Pablo Picasso foram os primeiros a optarem pela revelação da verdadeira tridimensionalidade em detrimento da sua representação. A primeira obra dentro destes parâmetros foi à construção cooperativa dos dois artistas intitulada "Guitarra" (1912), feita de folhas de metal e arame. Preferiram agregar ao plano da tela elementos reais do que continuar "imitando" a realidade, representando-os através da pintura, o que passou a ser considerado sem sentido uma vez que a tecnologia tinha inventado e aprimorado métodos de reprodução mais fiéis como a fotografia.
A tecnologia liberta a arte de seu compromisso social de representar.
Modifica-se totalmente o processo de criação. As obras de arte tornam-se verdadeiras homenagens à racionalidade científica da época e evidenciam a mais direta representação do impulso modernista no sentido de se adaptar à tecnologia da "era da máquina", por intermédio das facilidades advindas pelo avanço técnico e tecnológico.


ESCULTURA:


A escultura é a grande beneficiada pela contribuição construtivista, pois modifica a noção tradicional de "esculpir", o chamado método subtrativo (conceito de desgastar um material, por exemplo: escultura em pedra e madeira) ou de adicionar massa (escultura feita em argila, terracota, gesso, assim como também as técnicas de vazar bronze e massas em formas).
A gênese da escultura construtivista é determinada pelo seu material. O destaque dado ao material coloca questões também de ordem psicológica, pois passa a existir o diálogo do artista com o material e com o espectador, já que carrega significados em suas características confrontadas pelas vivências do artista, sua memória emocional e sensória.


CINEMA:


No cinema, os temas resumem-se às etapas da Revolução Russa e a seus ideais. O teórico e cineasta Serguei Eisenstein (1898-1948), diretor de "A Greve" (1924) e "Outubro" (1927), é o principal representante.



Seus filmes pretendem induzir ao debate de ideias, e a montagem das cenas explora o contraste das imagens. Sua obra-prima, “O Encouraçado Potemkin" (1925), é uma homenagem aos 20 anos do levante popular russo de 1905, precursor da revolução.


Em 1921, o cineasta Dziga Vertov (1895-1954) funda o grupo Kinoglaz (cinema-olho), que produz documentários sobre o cotidiano com filmagens ao ar livre e cuidadosa montagem.


Entre suas principais obras estão "A Sexta Parte do Mundo" (1926) e "Um Homem com a Câmera" (1929).


TEATRO:

O Construtivismo no teatro reúne o estilo de cenografia e encenação desenvolvido por Vsévolod Meyerhold (1874-1940) a partir dos anos 20. O texto tem menos importância que os elementos não-verbais, como a expressão corporal. Cenários elaborados por pintores invadem a área da platéia e quebram a perspectiva convencional. As cenas são despojadas, e no palco há apenas os elementos indispensáveis ao trabalho dos atores.


VESTIMENTA CONSTRUTIVISTA:


As listras, símbolo da marginalidade, conhecida como “O pano do diabo” desde os hebreus até o século XX com Picasso e a irreverência dos seus trajes, submete a ideia do malandro, da prostituta e dos prisioneiros.
As listras reafirmam que o corpo humano é pensado com regras e como uma máquina, como comprova os uniformes de sanatórios e presídios.



FOTOGRAFIA CONSTRUTIVISTA:



O Construtivismo é revolucionário e a foto é construída. O artista trabalha através de montagem: reúne pedaços de negativos (fotograma) para produzir uma imagem que não existe na natureza.
O “artista fotógrafo” quase já não usa as mãos, como fazia o pintor, mas sim opera a máquina e submete o filme a processos químicos.


O CONSTRUTIVISMO E O NEOCONCRETISMO BRASILEIRO:


O Construtivismo influenciou várias correntes na história da arte moderna. O movimento Neoconcreto, nascido no Brasil por volta dos anos 60, surge como uma reação ao concretismo racionalista de exploração de ilusões óticas e reaproxima-se da vanguarda russa na procura de um novo objeto para arte.
O Neoconcretismo brasileiro, derivado da escola de Ulm, na Alemanha já não lida em nenhum grau com o problema da representação, mas com o de emprestar uma transcendência à tela mesma como objeto material, segunda palavras de Ferreira Gullar (1985). Provavelmente seu maior legado foi de relacionar a arte com a ciência e a tecnologia. A abordagem racional inspirou as esculturas cinéticas, o minimalismo, a pintura concreta (que parece ser feita por máquina), abstração geométrica e a arte tecnológica.



DO CONSTRUTIVISMO À ARTE TECNOLÓGICA:


Esta arte do fim deste século se assemelha também do construtivismo por seu amor ao avanço científico e tecnológico, além da tendência ideológica à democratização. A arte vem de encontro ao seu público, rompendo com sistemas de poder como o "sistema das artes": composto por marchands, galerias, curadores, museus, etc. "Esta arte partilhada com as máquinas entra nas casas via satélites, telefones, oferecendo-se para ser recebida, modificada e devolvida (...). Comunidades virtuais on-line reúnem indivíduos por afinidade, em que a arte também afirma sua liberdade" como se expressa Diana Domingues (1997).
Enquanto que a arte tradicional privilegia a permanência da obra e procura fixar uma ideia sobre um suporte, a arte eletrônica trabalha com suporte virtual, a imaterialidade, a mutabilidade, a efemeridade, a conectividade, interatividade e colaboração.
Na arte tradicional o espectador é colocado como diante de uma "janela" pela qual ele assume uma atitude contemplativa; na arte interativa, o espectador se posiciona diante de uma "porta aberta" por onde ele pode passar e interagir, colaborando com o artista.
As novas tecnologias remodelam a sociedade como um processo irreversível. Só o artista pode enfrentar impunemente o efeito eletrônico porque é especialista em causar rupturas e transgressões, impondo o papel da análise conceitual dos fenômenos que ocorrem na sociedade, provocando uma tomada de consciência.

sábado, 20 de novembro de 2010

EXPRESSIONISMO


1910-1933

"De onde nós queríamos nos afastar, nos era claro; aonde nós iríamos chegar, estava porém pouco definido." Com essas palavras, um dos fundadores do grupo Die Brücke, Karl Schmidt-Rottluft, definiu certa vez as intenções da associação de jovens artistas surgida em Dresden no início do século XX.


I – DADOS CRONOLÓGICOS:



O Expressionismo, como distinto movimento na arte moderna, surgiu espontaneamente sob a forma de manifestação de vários artistas e grupo de artistas, ligados inicialmente às artes plásticas na Alemanha, em 1910.
Dizer que o movimento era espontâneo não implica em que tivesse qualquer conexão a movimentos anteriores.
Opondo-se ao Impressionismo do fim do século XIX, segundo o historiador italiano, Giulio Carlo Argan:

“A expressão é o contrário de impressão. A impressão é um movimento do exterior para o interior: a realidade (objeto) que se imprime na consciência (sujeito). A expressão é um movimento inverso, do interior para o exterior: é o sujeito que por si imprime o objeto”.

O Expressionismo teve o seu declínio a partir de 1933, com a ascensão de Hitler na Alemanha. Segundo as novas diretrizes, buscava-se uma arte “pura”, “limpa”, que retratasse a “superioridade” germânica retornando à arte clássica, jamais uma caricatura. Depois, ao final da guerra, a arte expressionista passa a ser valorizada e chegam às galerias, principalmente a xilogravura.


II – CONTEXTO CULTURAL:



O início do século XX ampliou as conquistas técnicas e o desenvolvimento industrial do século anterior, mas foi marcado também por vários conflitos políticos: a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa, a formação do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha.
Na sociedade acentuaram-se as diferenças entre as classes mais ricas e as mais pobres.
Foi nesse contexto histórico que se desenvolveu a arte da primeira metade do século XX.
Um grupo de artistas estudantes da Escola Superior Técnica de Dresden, Alemanha, em 1904, como Ernst Ludwig Kirchner, Karl Schimdt Rottluff, Fritz Bleyl e Erich Heckel reuniram para organizar um movimento em prol de uma pintura dramática, patética, angustiante, com sensações dolorosas sobre o destino do homem.
Este grupo, chamado “Die Brücke” (A Ponte), procurava estabelecer uma ponte entre o visível e o invisível.

Ernst Kirchner, "Group of Artists." Die Brücke. 1926-7.

Em 1906 se juntam ao grupo Emil Nolde e outros.
Desde o ano da sua fundação, “A Ponte” celebrou exposições coletivas que foram recebidas com incompreensão e escândalos.


O grupo teve pouca duração em virtude da depressão e do suicídio de vários integrantes.
Em 1907 ocorreu a exposição de Arte Africana em Paris influenciando muitos artistas da época. A arte primitiva, o exótico, o pueril passa a ser visto como fonte para a arte ocidental.
Mais tarde, estes pintores aliavam-se ao grupo do “Blaue Reiter” (Cavaleiro Azul-1909/1913), movimento partidário do abstracionismo, da pintura metafísica e do expressionismo místico.


Enquanto que nos artistas agrupados no “Die Brücke” era dominante na afirmação germânica, nos que constituíam o “Blaue Reiter” prevalecia uma atitude internacionalista.
Quando os nazistas chegaram ao poder, as obras dos artistas expressionistas foram consideradas degeneradas e depravadas. Elas foram retiradas dos museus, queimadas ou vendidas.


III – CARACTERÍSTICAS:

Visava apresentar a expressão do mundo interior e com uma forma de expressá-la, independentemente de sua beleza ou feiúra.
Arte criada sob o impacto da expressão, ou seja; da materialização, mas da expressão da vida interior, das imagens que vêm do fundo do ser e se manifestam pateticamente. As obras expressionistas não têm preocupação com o padrão de beleza tradicional e exibe enfoques pessimistas da vida, marcado por angústia, dor, inadequação do artista diante da realidade e, muitas vezes, necessidade de denunciar problemas sociais.
Suas imagens são distorcidas, muitas vezes caricaturais e como o Surrealismo, valoriza a ilógica, os mitos e os sonhos.
Como afirma Lúcia Helena em “Movimentos da vanguarda européia”, “ao contrário de outras vanguardas, que refletem otimistamente sobre a técnica e o progresso, como por exemplo, os futuristas, os expressionistas são mais afetados pelo sofrimento humano do que pelo triunfo”.

“(...) O que perturba o público a respeito da arte expressionista talvez seja menos o fato de a natureza ter sido distorcida do que o resultado implicar o distanciamento da beleza. Que o caricaturista mostre a fealdade do homem é ponto pacífico; no fim de contas, é esse o objetivo de seu trabalho. Mas que pessoas que pretendem ser artistas sérios esqueçam que, se tiverem de alterar a aparência das coisas, devem idealizá-las e não desfeá-las, foi profundamente ressentido”, comenta E.H.Gombrich.

O pintor expressionista é individualista, expressa os seus sentimentos e recusa o aprendizado técnico, pintando conforme as exigências de sua sensibilidade. Abusam dos contrastes de claro e escuro e possuem uma técnica original.
A figura humana e a paisagem perdem seu valor representativo, transformando-se em puros valores afetivos.
Pregavam um retorno à vida. Para isso, valorizavam os contornos simplificados, as formas reduzidas e as cores vivas, brilhantes e contrastadas. Era uma arte do imediato, do impulso, do arrebatamento, da emoção. No centro não estava mais a reprodução exata da realidade pelo artista, mas do que ele sentia ao contemplá-la.
O artista vive não apenas o drama do homem, mas também o da sociedade. Critica a exploração do homem pelo homem, a infância e velhice desamparadas, a hipocrisia, a miséria etc.
O Expressionismo possui raízes geográficas e raciais e desenvolveu-se mais em países nórdicos como a Noruega, Suécia e Dinamarca, ou em países como a Alemanha e Holanda, mais pelo temperamento místico, visionário e climático.
Durante os verões de 1909 e 1911, o grupo se reuniu no lago do castelo Moritzburg, em Dresden, para sessões de banho e pintura. Afastados do olhar curioso e inquisidor de guardiães da moral burguesa, os artistas e suas modelos se banhavam ao sol e se amavam ao ar livre. "Nós vivíamos em absoluta harmonia, trabalhávamos e nos banhávamos", disse Pechstein sobre aqueles tempos. Essas sessões estão retratadas em inúmeras pinturas de banhistas, hoje incluídas entre as mais importantes obras do expressionismo alemão.

Principais características:
* pesquisa no domínio psicológico;
* cores resplandecentes, vibrantes, fundidas ou separadas;
* dinamismo improvisado, abrupto, inesperado;
* pasta grossa, martelada, áspera;
* técnica violenta: o pincel ou espátula vai e vem, fazendo e refazendo, empastando ou provocando explosões;
* preferência pelo patético, trágico e sombrio
MÚSICA

Intensidade de emoções e distanciamento do padrão estético tradicional marca o movimento na música. A partir de 1908, o termo é usado para caracterizar a criação do compositor austríaco Arnold Schoenberg (1874-1951), autor do método de composição dodecafônica. Em 1912 compõe Pierrot Lunaire, que rompe definitivamente com o romantismo. Schoenberg inova com uma música em que todos os 12 sons da escala de dó a dó têm igual valor e podem ser dispostos em qualquer ordem a critério do compositor.


Arnold Schoenberg

CINEMA


Os filmes produzidos na Alemanha após a I Guerra Mundial são sombrios e pessimistas, com cenários fantasmagóricos, exagero na interpretação dos atores e nos contrastes de luz e sombra. A realidade é distorcida para expressar conflitos interiores das personagens. Um exemplo é “O Gabinete do Dr. Caligari”, de Robert Wiene (1881-1938), que marca o surgimento do expressionismo no cinema alemão em 1919.
Filmes como “Nosferatu”, de Friedrich Murnau (1889-1931), e “Metrópolis”, de Fritz Lang (1890-1976), traduzem as angústias e as frustrações do país em plena crise econômica e social. O nazismo, que domina a Alemanha a partir de 1933, acaba com o cinema expressionista. Passam a ser produzidos apenas filmes de propaganda política e de entretenimento.

LITERATURA


O movimento é marcado por subjetividade do escritor, análise minuciosa do subconsciente das personagens e metáforas exageradas ou grotescas. Em geral, a linguagem é direta, com frases curtas. O estilo é abstrato, simbólico e associativo.
O irlandês James Joyce, o inglês T.S. Eliot (1888-1965), o tcheco Franz Kafka e o austríaco Georg Trakl (1887-1914) estão entre os principais autores que usam técnicas expressionistas.

TEATRO


Com tendência para o extremo e o exagero, as peças são combativas na defesa de transformações sociais. O enredo é muitas vezes metafórico, com tramas bem construídas e lógicas. Em cena há atmosfera de sonho e pesadelo e os atores se movimentam como robôs. Foi na peça expressionista “R.U.R”., do tcheco Karel Capek (1890-1938), que se criou a palavra robô. Muitas vezes gravações de monólogos são ouvidas paralelamente à encenação para mostrar a realidade interna de um personagem.
A primeira peça expressionista é “A Estrada de Damasco” (1898-1904), do sueco August Strindberg (1849-1912). Entre os principais dramaturgos estão ainda os alemães Georg Kaiser (1878-1945) e Carl Sternheim (1878-1942) e o norte-americano Eugene O'Neill (1888-1953).

EXPRESSIONISMO NO BRASIL


Nas artes plásticas, os artistas mais importantes são Candido Portinari, que retrata o êxodo do Nordeste, Anita Malfatti, Lasar Segall e o gravurista Osvaldo Goeldi (1895-1961). No teatro, a obra do dramaturgo Nelson Rodrigues tem características expressionistas.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

BARROCO

INTRODUÇÃO



I – DADOS CRONOLÓGICOS:

A arte barroca desenvolveu-se no século XVII, período de grandes mudanças na Europa da Idade Moderna.
O período entre 1600-1750 conseguiu casar a técnica avançada e o grande porte da Renascença com a emoção, a intensidade e a dramaticidade do Maneirismo, fazendo do estilo Barroco o mais suntuoso e ornamentado na história da arte.
Podemos dividir o Barroco em dois gêneros:

I – Barroco dos países baixos, principalmente na Hollanda (doméstico, leigo, sem finalidade litúrgica, em virtude de serem países protestantes).

II – Barroco monumental (grande) – arte institucional que acontece nos interiores das igrejas e nos palácios; refletindo o poder político igual ao poder teológico (Roma) e retratando os países católicos (Rubens e Velásquez)


II – CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL:

Para melhor entendermos os acontecimentos daquele século, precisamos buscar suas origens em fatos do século XVI, dos quais um dos mais importantes foi a Reforma Protestante, que se iniciou na Alemanha e expandiu-se por muitos outros países. Ao barroco, como estilo artístico, vinculam-se diretamente acontecimentos históricos, religiosos, econômicos e sociais de grande significação para a história da humanidade e que devem ser pelos citados aqui. Entre eles, destaca-se o início dos governos absolutistas europeus com especial ênfase para a França, Áustria e a Alemanha, quando os reis eram considerados como senhores absolutos, com amplos poderes adquiridos por direito pessoal, realizada tanto pela pintura e escultura quanto pela arquitetura dos majestosos palácios que erigiam.
Por outro lado, após a revolta de Lutero, que resultou na Reforma Protestante, a Igreja Católica foi obrigada a rever suas atitudes quanto aos principais dogmas e ao seu próprio fundamento, diminuindo os abusos do poder dos papas e dos religiosos em geral, como foi determinado pelo Concílio de Trento.


A REFORMA E A CONTRA-REFORMA:


A Reforma Protestante foi um movimento de contestação à doutrina da Igreja Católica e teve como principal líder o alemão Martinho Lutero. Apesar de ter sido um movimento religioso, provocou mudanças em outros setores da cultura européia. Favoreceu, por exemplo, a formação dos Estados nacionais, ao propor que cada nação se libertasse do poder do papa.
A Igreja Católica, porém, logo se organizou contra a Reforma. Na verdade, desde o início do século XV havia essa reação espiritual, mas apenas no século XVI essa reação viria a constituir a Contra-Reforma.
Com a ação das grandes ordens religiosas, como a Companhia de Jesus, a Igreja Católica retomou sua força e construiu novas e grandes igrejas.
A arte voltava a ser vista como um meio de ampliar a influência católica.
Á esses dois marcos: o Absolutismo e a Contra-Reforma podem ser ainda somados outros eventos importantes como a Revolução Comercial, resultante do ciclo das grandes navegações que modificou os sistemas econômicos até então vigentes e favoreceu as descobertas de novas terras.
A própria cultura barroca seria instrumento ideológico de uma classe poderosa, a burguesia, que via naquela um agente de seu interesse, principalmente na Holanda, Bélgica e França.
Assim, a opinião pública, pré-condicionada, foi manipulada por inúmeros artifícios, notadamente nas artes plásticas, no teatro e nos festivais religiosos.

As reformas religiosas foram:

- Função do sacerdote (líder, dízimo, impostos dos governantes): poder espiritual e temporal.
- Calvino corta com a Igreja e obtêm apoio dos governantes (evitar mandar dinheiro para Roma e construir governos locais).
- O sacerdote protestante não tinha o poder de perdoar ninguém, o perdão tem que vir da própria consciência do pecador e buscavam a ensinar a “salvação” através das leituras realizadas na Escola Dominical. O pecador reconhece a sua culpa com base nos ensinamentos religiosos. As traduções eram interpretativas, subjetivas e buscavam o enriquecimento pessoal pela graça divina, onde o trabalho é o caminho da salvação e da continuidade da obra divina.
- O sacerdote não tinha acesso às escrituras. Ele era custeado pela comunidade, pode casar-se e o dízimo era recolhido no hollerith e controlado pelo estado.
- Com o enfraquecimento da nobreza e o fortalecimento da burguesia, o catolicismo centrado em Roma reagiu. O Concílio Tridentino visava conter a debandada e expandir os números de fiéis.
- Na época a Península Ibérica dominava o mundo, ao invés de buscar àquele que demandou, buscou na Contra-Reforma (Santo Ofício da inquisição) mais na Companhia de Jesus representada pelo Pe. Inácio de Loyola (espanhol) através da catequese, trabalhando em troca da salvação.
- Para garantir o acesso da comunidade negra, associaram as imagens africanas com o catolicismo.


III – CARACTERÍSTICAS:


A era barroca começou na Itália, logo se espalhou por outros países da Europa e chegou à América, onde assumiu peculiaridades resultantes das diversas condições geográficas, históricas e sociais do novo meio para o qual fora transplantada pelos espanhóis e portugueses.
Em Roma, os papas se dispuseram a financiar magníficas catedrais e grandes trabalhos, para manifestar o triunfo da fé católica depois da Contra-Reforma, e para atrair novos fiéis com a dramaticidade das belíssimas obras de arquitetura.
Na França, onde os monarcas absolutistas reinavam por direito divino e gastavam somas enormes para se glorificar, os palácios se tornavam ambientes de encantamento, projetados para impressionar os visitantes com o poder e a glória do rei.
A riqueza proveniente das colônias sustentava o luxo do mobiliário, dos jardins, e a arte ostentada em palácios como Versailles, de Luís XIV.
Embora a arte barroca seja voltada à arte religiosa, a pintura francesa elegia temas profanos, derivados do modelo da Grécia e de Roma, como as tranquilas paisagens habitadas por deidades pagãs, de Poussin.
Em países católicos, como Flandres, a arte religiosa florescia, ao passo que nas terras protestantes do norte da Europa, como a Inglaterra e a Holanda, as imagens religiosas eram proibidas.
Em consequência, a pintura tendia a naturezas-mortas, retratos, paisagens e cenas do cotidiano. Pela primeira vez, à parte do retrato, essas categorias assumiam um lugar significativo cujos temas eram extraídos da Bíblia, da História Clássica e da Mitologia.
Os mecenas da arte não eram apenas os mercadores prósperos, ansiosos para exibir sua riqueza, mas também os burgueses de classe média, que compravam quadros para enfeitar a casa. Isto é especialmente visível na pintura.
Utilizando-se do escorço (reduzir a perspectiva); claro versus escuro (luz versus sombra); exagerar o efeito plástico de estranhamento; carga expressiva e dramática; expressividade das figuras; patético; emoção; teatral; proliferação dos gêneros; temas múltiplos e com objetivo principal de chocar as pessoas (“sangue jorrando todo mundo conhece”).
Arte violenta com personagens sensuais, fortes que apresentam ambiguidade despertando o desejo e o difícil entendimento para reter o observador (retórica – arte de persuadir).
“Arte versus religião versus política” traduzindo o pensamento teológico-político (muda o patrão – passa ser o burguês, o mecenas, e a arte passa representar o dia a dia).
Heinrich Wölfflin um dos primeiros estudiosos a pesquisar sobre a estética barroca, apresentou cinco traços genéricos principais contrapondo-o ao Renascimento:
- o privilégio da cor e da mancha sobre a linha;
- da profundidade sobre o plano;
- das formas abertas sobre as fechadas;
- da imprecisão sobre a clareza;
- da unidade sobre a multiplicidade.
O recurso favorito dos artistas barrocos para a criação de um espaço dinâmico e profundo foi o emprego de primeiros planos magnificados com objetos aparentemente bem ao alcance do observador, justapostos a outros em dimensões reduzidas num plano de fundo muito recuado. Também foi comum o uso do escorço pronunciado e de perspectivas multifocais. Segundo Hauser, a tendência barroca de substituir o absoluto pelo relativo, a limitação pela liberdade, é expressa mais nitidamente no uso de formas abertas.
Numa composição clássica, a cena representada é um todo auto-suficiente e autocontido, todos os seus elementos são inter-relacionados e interdependentes, nada é supérfluo ou casual e tudo veicula um significado preciso, enquanto que uma obra barroca parece mais frouxamente organizada, com vários elementos parecendo arbitrários, circunstanciais ou incompletos, produtos de uma fantasia que adquire valor por si mesma e não pretende ser essencial ao discurso visual, tendo antes um caráter decorativo e improvisatório.
Além disso, na forma clássica a linha reta, o equilíbrio e as coordenadas ortogonais são elementos fortes na articulação da composição, mas no Barroco a preferência passa para as diagonais, a assimetria, as formas curvas e espiraladas, e um desprezo pela orientação provida pelos limites físicos da obra, se organizando livremente pelo espaço disponível e parecendo poder continuar para além da moldura. Esses mesmos traços falam pela relativa pouca clareza na apresentação das cenas, sendo mais difícil do que em uma obra classicista compreender o conjunto de uma só vez. Paradoxalmente, apesar dessas características contribuírem para dar à obra barroca um aspecto mais difuso, fragmetário e complexo, pareceu a Wölfflin que havia entre os barrocos um forte desejo de atingir uma unidade sintética em suas obras, coordenando os elementos díspares na direção de um efeito final de conjunto unificado e refletindo a busca por princípios compositivos mais eficientes.
Ao contrário do Renascimento, que buscava criar através da arte um mundo de formas idealizadas, purificadas de suas imperfeições e idiossincrasias individuais, dentro de uma concepção fixa do universo, durante o Barroco a mutabilidade das formas e da natureza e o dinamismo de seus elementos se tornaram evidentes. Ainda que os modelos do Classicismo idealista tenham permanecido uma referência importante, em sua interpretação barroca a observação da natureza como ela é, e não como ela deveria ser, ganhou peso e deu à obra uma feição em muitos pontos anti-clássica, pela sua ênfase na emoção, no espetaculoso e no teatral, pelas contorções dramáticas das figuras, pelo registro das formas com suas imperfeições naturais e pela liberdade concedida ao artista para experimentar soluções individuais. Ciavolella & Coleman pensam que longe de expressar uma rebelião anárquica contra a tradição, as tensões manifestas na arte barroca foram tentativas de se conciliar a humanidade com o mundo transcendental, presente mas indistinto por virtude de sua própria transcendência.
As construções monumentais erguidas durante o Barroco, como os palácios e os grandes teatros e igrejas, e mesmo os ambiciosos planos barrocos de reurbanização de cidades inteiras, buscavam impactar os sentidos pela sua exuberância, opulência e grandiosidade, propondo uma integração entre as várias linguagens artísticas e prendendo o observador numa atmosfera catártica, retórica e apaixonada. Para Sevcenko, nenhuma obra de arte barroca pode ser analisada adequadamente desvinculada de seu contexto, pois sua natureza é sintética, aglutinadora e envolvente
Mas todas estas características têm o problema de serem elas mesmas dificilmente definíveis com clareza, são aplicáveis para alguns outros estilos além do Barroco, e a ausência de uniformidade em seu uso entre os historiadores da arte complica muito a compreensão do estilo como um movimento unificado; antes, parece atestar que pouca unidade existiu em tudo o que comumente é chamado em bloco de "arte barroca". Além disso, o conceito de "barroco" tem sido transportado para áreas alheias à arte, como a política, a psicologia, a ética, a história e a ideologia social, fazendo dele mais do que um estilo artístico, mas um período histórico e um amplo movimento cultural. Parte desse problema de definição do que é o Barroco deriva da grande variedade de abordagens entre as várias regiões em que foi cultivado e entre os artistas individualmente.
Como lembrou Braider, ainda que em certos lugares o Barroco tenha se revelado bastante "típico", como por exemplo na Itália e Espanha, a identificação do estilo se torna mais árdua na Inglaterra, Alemanha, França e nos Países Baixos, a não ser que nestes locais todo o conceito padrão de Barroco seja adaptado, mas então se assume a posição de que o Barroco, como formulado inicialmente pelos italianos, não foi um estilo universal, e sim limitado a contextos, regiões e artistas específicos, ou se reconhece que sua definição ainda não foi estabelecida clara e satisfatoriamente.


IV – ORIGEM DO “BARROCO”


BARROCO: originalmente, uma palavra portuguesa que significa uma pérola de formato irregular ou, como alguns historiadores asseveram, deriva do italiano “baroco”, um obstáculo na lógica escolástica medieval. Num ou noutro caso, a palavra circulou num sentido metafórico quando significava qualquer ideia complexa ou um processo tortuoso e intricado de pensamento.
Denis Diderot, autor francês do século XVIII e crítico de arte, usou a metáfora “pérola” igual a “coisa” imperfeita no sentido etimológico. A imagem não é completa, sempre faltando um pedaço (pernas, braços) gerando a incompletude.
Em 1771, o “Dictionnaire de Travaux” deu como significado de Barroco: “na pintura, um quadro ou figura...em que as regras de proporção não são observadas, e tudo é representado de acordo com o capricho do artista”.
Em 1797, o crítico italiano Milizia escreveu: “O Barroco é a última palavra em bizarria; é o ridículo levado a extremos...”

MÚSICA BARROCA


A música barroca é o estilo musical correlacionado com a época cultural homônima na Europa, que vai desde o surgimento da ópera no século XVII até a morte de Johann Sebastian Bach, em 1750.
Trata-se de uma das épocas musicais de maior extensão, fecunda, revolucionária e importante da música ocidental, e provavelmente também a mais influente.
As características mais importantes são o uso do baixo contínuo, do contraponto e da harmonia tonal, em oposição aos modos gregorianos até então vigente. Na realidade, trata-se do aproveitamento de apenas dois modos: o modo jônio (modo “maior”) e o modo eólio (modo “menor”).
Pela primeira vez na história, música e instrumento estão em perfeita igualdade.
Nesse período a instrumentação atinge sua primeira maturidade e grande florescimento. Pela primeira vez surgem gêneros musicais puramente instrumentais, como a suíte e o concerto. Nesta época surge também o virtuosismo, que explora ao máximo o instrumento musical. Johann Sebastian Bach e Dietrich Buxtehude foram os maiores virtuoses do órgão. Jean Philipe Rameau, Domenico Scarlatti e François Couperin eram virtuoses do cravo. Antonio Vivaldi e Arcangelo Corelli eram virtuoses no violino.
A época das orquestras de câmara
O barroco foi á época de máximo desenvolvimento de instrumentos como o cravo e o órgão, mas também surgiram várias peças para grupos pequenos de instrumentos, que iam de três até nove instrumentistas.
Particularidades do estilo
Desenvolvimento extenso do uso da polifonia e contraponto. Os acordes tem uma ordem hierárquica em suas progressões tonais, tanto funcional como cadencial, que definem a tonalidade progressiva do barroco musical. A harmonia era acompanhada e definida pelo basso contínuo criando uma necessidade do intérprete de ser um virtuoso na arte do período para não deixar a musicalidade se desviar do aspecto tonal da época — visto que quase sempre o basso continuo não era escrito e chamava pela improvisação, dando então o dom de virtuosidade a quem melhor improvisasse.
O contraponto era intenso, especialmente na forma de tema e variação. A modulação tonal na música barroca é frequente. Devido a incapacidade física de um cravo prover dinâmicas variadas a arte da música barroca voltava a habilidade da performance em termos de articulação. Entre outras particularidades dos estilos desenvolvidos na música barroca, incluem-se:
• Monodia, homofonia com uma voz diferente cantando por cima do acompanhamento, como nas árias italianas; expressões mais dramáticas, como na ópera.
• Combinações de instrumentações e vozes mais variadas em conjunto a oratórios e cantatas.
• Notes inégales (Francês para "notas desiguais") usadas. Técnica barroca que envolvia o uso de notas pontuadas que eram usadas para substituir notas não pontuadas, dentro de um mesmo tempo que alternavam entre duração de valores longos e curtos.
• Ária (curta peça cantada em uma cantata, ou instrumental na suíte).
• Ritornello (estilo que contém breve passagens instrumentais entre os versos cantados).
• Concertante (o estilo que contrasta entre a orquestra e os instrumentos solos, ou pequeno grupo de instrumentistas);
instrumentação precisa anotada (no período anterior, a Renascença, a partitura raramente listava os instrumentos).
• Notação musical escrita idiomaticamente melhor para cada instrumento específico.
• Notação musical para interpretação virtuosa, tanto instrumental como vocal.
• Ornamentação
• Desenvolvimento profuso na tonalidade da música ocidental (escala maior e menor).
• Cadenza, uma seção ad lib nas cadências das partituras para o virtuoso improvisar.
Estilos
Compositores barrocos escreveram em diversos gêneros musicais; incluem-se diversos estilos inovadores para a época. A ópera foi inventada na Renascença, mas foi no Barroco que Alessandro Scarlatti, Handel e outros desenvolveram grandes obras. O oratório chegou a grande popularidade com Bach e Handel; ambos a opera e o oratório usavam forma musical semelhantes, tal como o uso da ária da capo.
Na música litúrgica, a Missa e os motetos não foram tão importantes, mas a cantata prosperou, principalmente nos trabalhos de Bach e outros compositores protestantes. Música para o organista virtuoso floriu, com o uso das tocatas, fugas, e outros trabalhos..
Sonatas instrumentais e suítes para dança foram escritas para instrumentos individuais, para grupos de música de câmara, e pequenas orquestras. O concerto emergiu, tanto na forma para o intérprete solista como para orquestra, assim como o concerto groso qual um grupo pequeno de solistas criam simultaneamente um contraste com um grupo maior que intercalam suas partes com perguntas e respostas do diálogo melódico. A Abertura francesa com o seu típico contraste de seções rápidas e outras lentas, adicionaram grandeza à muitas cortes nas quais eram apresentadas.



As obras para teclado eram algumas vezes escritas para grupos maiores. Novamente, existe um grande número de obras de Bach escrita tanto para os instrumentos solos, como concertos e o mesmo tema se apresenta em arranjos de concerto para orquestra, ou suíte. Grandes trabalhos de Bach que culminaram na música da Idade Barroca incluem: o Cravo 'bem temperado', as Variações Goldberg, e a Arte da Fuga.

sábado, 13 de novembro de 2010

SE NÃO


Ele surgia sem ninguém desejar.
Se sorria, nunca vi.
Seu rosto trazia um mapa da vida; mas, sem história ou geografia, sem idade ou saudades, muito menos poesia - impossível de contextualizar.
Seu olhar indiferente e cabisbaixo não denunciava nem encarava, seguia inerte e fixo entre o acaso e o desejo, procurando algo, sem saber o que buscar.
Errante andarilho... Sem passado ou presente; sem norte nem oriente; passageiro do instante; matéria flutuante; semente e colheita e só servia para assustar!
E, conseguia!!!!
Era o ser mais respeitado entre as crianças desobedientes de minha época e isso, incluía-me. Além de ser o sensor pedagógico de minha mãe, o seu infalível educador!!!
Carregava um saco de estopa às costas, talvez, toda bagagem de sua existência. Diziam que eram brinquedos roubados de meninos malcriados. Talvez....não tenho certeza!


Se ele tinha um nome, família, confesso que desconheço. Conhecia-o como o “homem do saco”, vivia só, embaixo da ponte da linha do trem.
E, como eu o temia! Muito mais que os castigos maternos e as prova da professora de português.
Ele era livre, estranho, maltrapido, pele clara, cabelos longos e loiros, barba sem fazer, enfim, um caminhante sem esmo que com sua simples presença metaforizava um enorme perigo.
Bastava a sua aparição que eu recolhia meus brinquedos e tornava-me um anjo.
Sua existência disputava opiniões. Alguns afirmavam que fora muito judiado na infância e que nunca havia ganhado um presente, renegou sua família e agora, vingava-se das crianças desobedientes, roubando-lhes seus brinquedos. Outros, que se tratava de um psicopata que atraía crianças através dos brinquedos para o seu esconderijo.
Às vezes, eu o observava escondido, mas ir até o seu esconderijo; nunca, ousei.
Nutria por esse incógnito uma mistura de compaixão, medo, mistério e ódio.
Será que depois de adulto brincava como criança? Acumulava brinquedos para doá-los? Fazia por pura maldade? Correção? Violência sexual?
Na época eu era criança para todas essas divagações e meus questionamentos sintetizavam entre o Papai Noel dos Pobres ou o Capeta vingador???!!!!
Na verdade, a única certeza que eu tinha era que “o homem do saco” não só roubava os brinquedos, mas, também, a minha infância, o meu Herodes!
Esse inquiridor amputava o meu livre arbítrio, sucumbia-me às suas ordens e alegorizava a minha contra existência, impossibilitando-me de ser o que eu realmente era ou que eu queria ser.
O pior é que esse ser queria incriminar-me de um erro que eu não havia cometido, embutia-me uma culpa que não era minha e, que, eu desconhecia.
Se não tirar notas altas....se não obedecer aos seus pais...se brigar com suas irmãs....se não tomar banho...se não comer tudo.....
Confesso que rotulei “O Homem do Saco” como “Se Não” e tornei-me seu inimigo.
Minha educação alicerçava-se nas escritas da bíblia, nas lições de minha professora, nas ordens de minha mãe, na cinta de meu pai e na disciplina do “Se Não”.
Nunca me esqueci desse desconhecido. Durante toda a minha vida, ele foi o meu grande sensor.
Passados alguns anos, já homem “feito” e formado em Medicina, fui informado que um andarilho fora morto por apedrejamento.
Chocado com o acontecimento, dirigi-me até ao local e lá, para minha surpresa, encontrei estendido sobre um madeiro com os braços abertos como se pedisse um abraço, feito cruz, um ancião e ao seu lado, reconheci dois carrinhos e uma bola que um dia, foram meus.

domingo, 7 de novembro de 2010

ROMANTISMO ESPANHOL: FRANCISCO DE GOYA

FRANCISCO DE GOYA (1746-1828)


“Um artista sem “ismo”

As pinturas do artista espanhol não se encaixam em categoria alguma.
Sua obra só tinha sido influenciada pelo Realismo de Velázquez, pela visão de Rembrandt e, como ele dizia, pela “natureza”.
GOYA poderia parecer um pintor tão público quanto qualquer outro, visto que era o principal pintor de Carlos IV de Espanha. Contudo, a maior parte da sua obra e, certamente, a sua obra mais gigantesca, é profundamente pessoal no caráter, por isso mesmo, surpreende o reconhecimento de que seu talento desfrutou.
FRANCISCO DE GOYA Y LUCIENTES, contemporâneo chegado de DAVID, iniciou sua carreira num mundo de rococó vacilante e numa corte decadente.
O Neoclassicismo era a alternativa revolucionária para o Rococó, uma arte pública e impessoal de reconstrução. Mas GOYA preferiu, em vez de oferecer visões de um mundo mais nobre, registrar as enfermidades do seu próprio mundo.
O artista foi rebelde toda a vida. Libertário que se opunha firmemente a todo tipo de tirania, o artista espanhol começou como desenhista semi-rococó de cenas divertidas para tapeçarias. Então, tornou-se pintor de Carlos IV da Espanha, cuja corte foi notória pela corrupção e pela repressão. Observar o vício da corte e o fanatismo da igreja transformou GOYA num amargo e satírico misantropo.
Sua obra era subjetiva como a dos românticos do século XIX, no entanto GOYA é saudado como o primeiro pintor moderno.
Suas visões de pesadelo expondo a maldade da natureza humana e sua técnica original de cutiladas nas pinceladas, o transformou num pioneiro da angustiada arte do século XX.
Deu a uma Espanha decadente a guerra, insurreição e exemplos de selvageria bastante anormais, até mesmo para o nosso próprio século.
O destino deu a GOYA não só o gênio, mas também doenças frequentes e surdez total a partir dos 46 anos. Durante a recuperação, isolado da sociedade, começou a pintar demônios do seu mundo interior de fantasia, início de uma preocupação com criaturas bizarras, grotescas, em sua obra madura. Só a comunicação visual ligava esse homem atormentado aos horrores do mundo externo.
GOYA foi igualmente brusco ao revelar os vícios da Igreja e do Estado.
O pintor foi mestre em artes gráficas. Suas 65 gravuras “Os Desastres da Guerra” (1810-14) são francos “exposés” das atrocidades cometidas por ambos, o exército francês e o espanhol, durante a invasão da Espanha.
Com precisão sangrenta, reduziu cenas de tortura bárbara ao básico horror. Seu olhar sobre a crueldade humana era firme: castrações, desmembramentos, civis degolados empalados em árvores nuas, soldados desumanizados contemplando indiferentemente corpos linchados.
GOYA ficou obcecado com a descrição do sofrimento causado pela intriga política e pela decadência da corte e da igreja espanholas. Disfarçava sua repulsa, porém, com sátira, como nas perturbadoras “pinturas negras” que fez nas paredes de sua vila, Quinta Del Sordo (casa do surdo).
Os 14 grandes murais em negro, marrom e cinza de 1820-22 apresentam monstros assustadores engajados em atos sinistros.
A técnica de GOYA era tão radical quanto sua visão. A certa altura, executou afrescos com esponjas, mas suas pinturas satíricas foram feitas com pinceladas amplas, ferozes, tão ardentes quanto os eventos retratados.
GOYA morreu na França, num exílio auto-imposto. Teve vinte filhos, mas não seguidores.
Seu gênio era singular e suas simpatias intensas demais para se repetirem.


“A Família de Carlos IV” (1800)


É uma pintura de corte diferente de todas. As figuras retratadas são soberanas da Espanha, mas não demonstram nobreza.
O rei robusto, de rosto vermelho, carregado de medalhas, tem ar de suíno; o trio de olhos aguçados à esquerda (incluindo uma senhora idosa, com uma marca de nascença) tem aparência completamente predatória, e a rainha parece insipidamente distraída.
Os críticos se maravilharam com a estupidez dos treze membros de três gerações da família por não terem se dado conta do quão visivelmente GOYA expôs sua afetação.
Um crítico assim descreveu o grupo: “Um dono de mercearia e sua família, tendo acabado de ganhar o grande prêmio da loteria.” A pintura era uma homenagem do artista à obra “As Meninas”, de Velázquez.
GOYA, como seu antecessor, colocou-se à esquerda atrás de uma tela (como Velázquez), registrando impassivelmente o desfile de arrogância real.
No fundo, observamos algumas pinturas holandesas.



“O 2 de maio de 1808” (1814)


Depois que as tropas de Napoleão abandonaram, ele mandou os mamelucos (turbantes) e o rei parte para férias. A população tenta segurar as tropas napoleônicas (Guerra Civil).
Retrata o heroísmo do povo espanhol diante da maior força militar do mundo.




“O 3 de Maio de 1808” (1814-15)


Esse quadro é a resposta de GOYA ao massacre de cinco mil civis espanhóis. As execuções eram represália a uma revolta contra o exército francês em que os espanhóis foram condenados sem se levar em conta culpa ou inocência.
Trata-se da execução dos defensores de Madrid: quem sobreviveu, foi executado.
Aqueles que possuíam um canivete ou uma tesoura (“armas portáteis”) foram obrigados a marchar diante do pelotão de fuzilamento em lotes.
A pintura tem o aspecto imediato de fotojornalismo. GOYA visitou o cenário fazendo esboços; no entanto, porque se desvia do Realismo, dá a ela uma força adicional.
Ele iluminou a cena noturna colocando no chão uma lâmpada que projeta uma luz forte. No fundo, a igreja está escura, como se toda a luz da humanidade tivesse se extinguido. Cadáveres ensangüentados se lançam em direção ao espectador, enquanto uma fila de vítimas se estende na distância.
As vítimas do momento constituem o foco de interesse, com um homem de camisa branca de braços bem abertos num gesto desafiador, mas impotente, lembrando o Cristo crucificado. As sombras ácidas e a ausência de harmonia na cor sublinham a violência do evento. A imagem está tosca, rude e agressiva.
Em outras pinturas daquela época, a guerra era sempre apresentada como um espetáculo glorioso e os soldados como heróis.
GOYA contrastou os rostos das vítimas e os gestos desesperados com as figuras sem rosto, parecendo autômatos, do pelotão de fuzilamento.
Apesar de a surdez ter isolado GOYA da humanidade, ele comunica apaixonadamente seus fortes sentimentos a respeito da brutalidade e da desumanização da guerra.
A coincidência de GOYA e das Guerras Napoleônicas na Espanha produziu um novo gênero de pintura: na escala de uma pintura histórica, mas com o uso de um tema contemporâneo sem a exaltação de heróis. Aqui não há nomes, nem glorificações, mas uma afirmação nua e poderosa da desumanidade sem propósito, nem significação do homem.
Todo o quadro é orientado no sentido dessa afirmação: pouca cor, composição e luz artificial concentrando a atenção na ação, os algozes abstraídos em função de concisão e expressão. É, assim, um distante precursor do moderno cenário teatral despojado.


“Saturno devorando seus filhos”


Esse quadro retrata um gigante voraz com olhos abertos, lunáticos, enfiando o corpo dilacerado, decapitado, do seu filho no papo.
A obra “Saturno devorando seus filhos” é uma obra de Francisco de Goya, na qual ele apresenta o terror e o canibalismo. O quadro representa o deus Chronos devorando seu próprio filho nascido de sua mulher, Neia, porque temia ser destronado por eles.
De acordo com Sigmund Freud, no ponto de vista da psicanálise, o ato de comer o próprio filho representava impotência sexual.
A obra pertence a série Pinturas negras, na qual Goya fez 14 pinturas como decoração do muro de sua casa.



“Procissão a San Isidro” (1820-23)


Quando ficou doente, pintava dentro de sua casa. Uma procissão de desvalidos que acreditavam que a fé salvaria todas essas pessoas.
É o horror dos horrores.
O povo pedindo pela salvação de suas almas.


“A Maja Desnuda”(1796-98)



GOYA foi denunciado durante a Inquisição por esta versão “obscena”, atualizada, apresentando nudez frontal total. O título quer dizer “coquete nua”, e a imagem totalmente erótica causou furor na pacata e na conservadora sociedade espanhola.
Acredita-se que a modelo é sua amiga e patrona, a aristocrática, porém muito pouco convencional, a condessa de Alba disfarçada.
Existe também uma réplica vestida da figura, em pose idêntica, mas esboçada muito apressadamente. Diz-se que GOYA a pintou quando o conde estava a caminho de casa, para justificar todo o tempo que tinha passado na companhia da condessa.
É provável que GOYA tenha se inspirado na “Vênus” de Velázquez, o nu de GOYA é muito mais sedutor, com a carne suave, macia, contrastando com a pincelada ondeada do lençol de cetim e dos babados de renda.


“A duquesa de Alba” (1795) e “Retrato da duquesa Alba” (1797)



Muito famosa pela sua beleza.
Composição abstrata, onde não temos a percepção de lugar e nem do horário.
Ostentando beleza, jóias no braço e um vestido impecável.


“Don Manuel Osório Manrique de Zuñiga”


Retrata uma criança de dois anos matando passarinhos para alimentar o gato. Percebemos o contraste de luz e sombra.


“O guarda-sol” (1777)


Temas agradáveis para virar tapete. A casa é irreal. O mundo não separa nada, o jardim está lá embaixo e as cores são suaves.


“O boneco de palha”


O boneco está flutuando estilo um boneco de teatro mambembe.


“Retrato de Mariana Waldstein”


Arte retratista. Perfeição na elaboração do tecido.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

ROMANTISMO FRANCÊS

THÉODORO GÉRICAULT (1791-1824)




Iniciou o Romantismo com uma pintura “A Balsa do Medusa”(1819-19).
Em sua vida particular, GÉRICAULT foi um romântico arquetípico. Ela não se preocupava com o próprio bem estar e se dedicava a uma vida de paixão, defendendo os oprimidos.
O professor de GÉRICAULT o chamava de louco, e o Louvre o expulsou por fazer confusão na Grande Galerie.
Fascinado por cavalos, GÉRICAULT morreu com 32 anos, após uma série de acidentes enquanto montava.
Embora só tenha exposto publicamente três pinturas em sua carreira meteórica de uma década de duração, o pintor deixou uma marca indelével.
Sua maneira enérgica de lidar com a tinta e criar cenas de luta titânica deslanchou a era romântica na arte francesa.


“A Balsa do Medusa” (1818-1819)


Retratava um acontecimento contemporâneo, um naufrágio que causou um escândalo político. O “Medusa”, navio do governo que transportava colonos franceses para o Senegal, afundou na costa oeste da África devido à incompetência do capitão e a tripulação foram os primeiros a evacuar o navio e tomaram os barcos salva-vidas, que puxavam uma jangada improvisada com 149 passageiros amontoados.
A certa altura cortaram a corda que puxava a balsa, deixando os emigrantes à deriva sob o sol equatorial por 12 dias, sem comida nem água, sofrendo tormentas indizíveis. Só 15 sobreviveram.
GÉRICAULT investigou o caso como um repórter, entrevistando os sobreviventes para escutar suas histórias terríveis de fome, loucura e canibalismo.
Fez o máximo para ser autêntico, estudando corpos putrefatos no morgue e esboçando cabeças decapitadas de vítimas da guilhotina e rostos de lunáticos num asilo. Construiu uma jangada-modelo em seu ateliê e, como um ator que mergulha num papel, chegou a ser amarrar ao mastro de um pequeno barco numa tempestade.
Essa preparação extraordinária dá conta do rígido detalhamento da pintura. Mas na raiz desse drama épico encontra-se o espírito romântico do pintor.
A linguagem dos corpos em luta, contorcidos, dos passageiros desnudos diz tudo a respeito da luta pela sobrevivência, tema que obcecava o artista.
Dados o tratamento gráfico de um tema macabro e as implicações políticas da incompetência do governo, a pintura gerou enorme sensação. A paixão romântica estava pela primeira vez visível “in extremis”, captando não alguma forma idealizada do passado, mas a realidade contemporânea.
A fama da pintura rompeu a camisa-de-força da Academia Clássica. A partir de então a arte francesa iria enfatizar a emoção em vez do intelecto.


“Cavalo assustado pelo trovão e relâmpago” (1820-21)


Pintura e cavalos eram as paixões gêmeas da vida de GÉRICAULT. O artista combinou-as em muitas ocasiões. Mas o cavalo tinha um significado especial para a arte Romântica; em geral, o de um animal nobre e puro, de extraordinária sensibilidade, com associações árabes.



EUGÈNE DELACROIX (1798-1863)



" Trabalharei até a agonia: que fazer no mundo, além de embebedar-se, quando chega o momento em que a realidade não está mais à altura do sonho?"

"Uma vida inteira não me basta para produzir tudo o que tenho em mente."

"Tenho assunto para ocupar o espírito e as mãos por mais de quatrocentos anos."

DELACROIX opunha-se a que o chamassem romântico e considerava-se parte integrante da tradição clássica. Seu conceito dessa tradição era puramente pessoal.
Admirava Poussin e, com efeito, escreveu até sobre ele. Mas suas opiniões mudaram, e tendo admirado Rafael como o maior de todos os pintores, substituiu-o, sucessivamente, por Rubens, Ticiano e Rembrandt. Em cada fase de sua obra, o clássico e o romântico conflituam e colaboram.
Baudelaire disse que “Delacroix estava apaixonadamente enamorado da paixão, mas friamente decidido a expressar a paixão com a maior clareza possível”. Podemos reconhecer que essa síntese de paixão e controle é à base de toda arte maior.
Como romântico, DELACROIX, deu valor especial à excitação, calor, riqueza, espontaneidade e fantasia, mesmo quando insistia na necessidade de conhecimento e perícia.
Ainda moço, DELACROIX admirou a obra de Théodore Géricault (1791-1824) e através dele que se apaixonou pela pintura e literatura inglesas, principalmente, Byron e Walter Scott.
O artista era um pintor barroco, insuflando nos temas predominantemente seculares o entusiasmo celebrador que o Barroco reservava para os deuses e reis. História e lendas medievais, mitos nórdicos, ficção renascentista e moderna, eventos e cenas contemporâneas e percorreu toda a vasta gama de temas que o Romantismo franqueou à arte.
Um dos temas básicos de pintura do século XIX é o valor crescente atribuído à música pictural e o conflito entre esse valor e o aspecto representativo da pintura. Entre essas qualidades musicais da pintura, a cor é de importância primordial. DELACROIX aprendeu o conteúdo de cor das sombras e o efeito mutuamente revigorador produzido pelas cores complementares em justaposição.
Delacroix restituiu à pintura, além do movimento e da cor, seu caráter passional. Sua obra revela o individualismo exaltado pela Revolução Francesa e pela epopéia napoleônica. Seu objetivo é criar emoção e energia, exaltadas por fortes contrastes de cores, por um desenho torturado e por uma composição turbilhonante. Traduziu em pintura os sentimentos contidos em Goethe, Beethoven, Victor Hugo e Baudelaire. Não deixou uma escola, mas os impressionistas e os neo-impressionistas sofreram sua influência.
Nas artes, os românticos foram os primeiros a pôr em questão os ideais clássicos, herdados da Grécia e de Roma pela via do Renascimento. Defenderam a concepção de que o valor de uma obra não devia ser medido pelo respeito a regras cristalizadas e substancialmente acadêmicas, mas em vista da emoção que pode provocar. Um artista - diziam - não se avalia por sua afinidade aos padrões antigos ou por seu grau de aproximação a modelos clássicos, mas sim de acordo com sua originalidade. Nesse sentido, o Romantismo foi um movimento renovador, que multiplicou as possibilidades de expressão nas artes em geral, principalmente na literatura e na música.
Na pintura, nem tanto. Exceção feita a Delacroix, Géricault e alguns outros nomes, a linguagem da pintura francesa permaneceu quase inalterada. Só com a
revolução realista a partir da segunda metade do século XIX é que os cânones tradicionais receberiam o golpe fatal. O Romantismo na pintura traduziu-se principalmente numa troca de roupas: as túnicas greco-romanas que vestiam os personagens focalizados foram substituídas pelas armaduras dos guerreiros medievais. Os heróis míticos cederam lugar aos cavaleiros cristãos, defensores das nacionalidades européias.
E na virada do século XVIII é justamente o nacionalismo - despertado pela Revolução Francesa e fortalecido pelos projetos de Bonaparte - que dá o tom nas idéias políticas.
Mesmo Delacroix, pensasse o que pensasse, não chegou a ser um pintor romântico no pleno sentido da palavra. Apesar de seu amor pela aventura, seu fascínio pelo Oriente fantástico, seu interesse desmedido por tudo o que fosse exótico, não voltou as costas aos antigos mestres. Como qualquer artista acadêmico, frequentou os museus para copiar os grandes do passado. Nem se furtou em suas obras às sugestões mitológicas da Antiguidade. Ficou a meio caminho entre a lealdade cultural ao mundo clássico e a necessidade de exprimir o mundo interior, rico de sensibilidade e imaginação. Quando a subjetividade prevalecia, conseguia desprezar as regras ortodoxas. E o resultado era uma pintura original e profundamente renovadora.
Renovação era a palavra que corria de boca em boca na França dos últimos anos do século XVIII, tirando seu alento dos feitos do novo comandante do exército, o pequeno general corso que se chamava Napoleão. Em 1798, um ano antes do golpe de Estado que o levaria ao poder, Napoleão chefiava as tropas da República na campanha do Egito; naquele ano, a 26 de abril, na localidade de Charenton-Saint-Maurice, perto de Paris, nascia Delacroix.
Mais por uma questão de temperamento do que por uma avaliação intelectual dos trabalhos, Delacroix sente-se atraído por Veronese, Tintoretto, Goya e Rubens, cujas obras pode ver nos museus de Paris, e os prefere a um Rafael ou a outros mestres consagrados e em evidência na época.
O temperamento é um dado fundamental na história do pintor. Como escreveria seu amigo e crítico, o poeta Baudelaire, "a biografia de Eugène Delacroix é pouco movimentada. Para um homem como ele, pleno de tal coragem e de tal paixão, as lutas mais interessantes são as que deve sustentar contra si próprio". São os sentimentos, não tanto os fatos, que determinam as atitudes do artista.
Delacroix desenvolve seu aprendizado cada vez mais na direção de um afastamento dos padrões clássicos, guiado por artistas inovadores como Gros, Gérard e - sobretudo - Géricault, que sentiram no jovem o talento e a inquietação. Com o tempo, Delacroix viu-se cada vez mais ligado a Géricault: o jovem - então com 21 anos - aceitou posar para um quadro de seu mestre, “A Balsa da Medusa”, que daria muito o que falar, abrindo formalmente as hostilidades entre os seguidores da linha neoclássica e os adeptos da nova escola - os românticos.
Enviado ao Salão Oficial, “A Balsa da Medusa” sofreu cerrados ataques dos críticos ortodoxos; os adjetivos dirigidos a Gericault não foram dos mais brandos. Nessa querela, o ainda desconhecido Eugéne Delacroix interveio a favor do artista e acusou seus acusadores: foi a única vez que Delacroix participou ativamente das polêmicas estéticas. Nos anos vindouros, outros artistas brigarão por ele.
Em 1822, após ter realizado algumas obras de temas sacros, resolveu enviar sua primeira tela ao Salão. É “Dante e Virgílio no Inferno”, onde se vêem as influências do discutido trabalho de Géricault e afirma-se como o expoente de uma nova tendência, a resposta mais brilhante ao consagrado Ingres, mestre do Neoclassicismo. Não que o estilo tradicional tenha deixado de existir nessa obra de estréia, mas as cores vivas, o movimento das personagens, as luzes do horizonte indicam já uma orientação diferente.



Essa orientação fica ainda mais explícita com “Dois Indianos”, pintado em 1823. Este quadro revela gosto de Delacroix pelo exótico - na própria escolha do tema - e, mais que isso, sua habilidade como pintor, seu espírito independente, a espontaneidade com que é capaz de cercar as figuras da pequena tela. Fugindo às descrições de moradas e cerebrais prefere captar as emoções dos retratados com toques rápidos e sugestivos, conseguindo ainda um efeito de primeira ordem ao contrastar o branco da vestimentas com o fundo sombrio.

No ano seguinte, Delacroix produz “O Massacre de Quios”, quadro de inspiração literária, e enviado ao Salão. Reabre-se a polêmica: os críticos acadêmicos, o
mestres oficiais, decididamente torcem o nariz ante a obra Afinal, aceito o quadro, Delacroix ainda introduz nele algumas modificações, provocadas pela descoberta do inglês Constable: naqueles dias, o pintor fazia uma exposição em Paris e Delacroix, ao vê-la, é tomado pelo maior dos entusiasmos, a ponto de aproveitar as lições do pintor estrangeiro mesmo numa obra já realizada.

“O Massacre de Quios” (1824)



Representa simbolicamente o tópico dominante do seu tempo, a luta dos gregos pela independência (presença turca na Grécia) - 20.000 gregos trucidados pelos turcos na ilha de Quíos. Com cores vivas e uma forte emoção a pintura lembra mais uma peste que uma guerra.
Tomando como tema as perseguições sofridas pelo povo grego sob o jugo turco assunto sobre o qual Delacroix fizera algumas leituras, “O Massacre de Quios” mostra claramente o que os contemporâneos do artista não souberam ver: que a arte de Delacroix, conquanto fosse inovador estava longe de assumir um caráter revolucionário ou significar um rompimento radical com a pintura clássica. São teatrais as atitudes das personagens. Sua disposição segue o figurino tradicional. Mesmo as cores exageradamente violentas aos olhos rigorosos da sobriedade acadêmica não conflitam com a estética vigente. A novidade localiza-se mais no tratamento realista dos detalhes e este se de principalmente às alterações motivadas pelo contato com os trabalhos de Constable.
Delacroix sente-se de tal modo atraído pela pintura do inglês que se decide a atravessar a Mancha. Em 1825 embarca para a Inglaterra, onde passa alguns meses, admirando as paisagens, lendo o clássico Shakespeare e o romântico Byron. De volta à França, frequenta os ambientes mais requintados da época. Elegante e simpático, torna-se amigo de celebridades do mundo artístico, entre as quais Frédéric Chopin e sua companheira George Sand. Delacroix os retratou juntos, embora mais tarde a tela viesse a ser cortada, restando apenas a cabeça do compositor.
O êxito de Delacroix não se limitava aos salões. Como bom romântico, não lhe faltaram ligações afetivas, arrebatadas todas, duradoura nenhuma: os modelos Émile e Laure, a loira e delgada Mademoiselle Mars, a misteriosa Madame Dalton, Madame de Forgette (sua prima) e, por fim, Madame de Boulanger, com quem até fugiria na melhor tradição dos mitos românticos para o exterior, chegando à Bélgica e Holanda.
Em 1827, Delacroix apresenta o que seria um de seus melhores quadros, um dos raros que não se ressentem de inspirações literárias ou retóricas. É a Natureza-Morta com Lagostas.



Cor, desenho e composição inteiram-se numa unidade total e poética. Paisagem, personagens, peças de caça conjugam-se como instrumentos numa orquestra afinada. Poucas vezes terá o artista consegui-lo explicar-se tão bem com uma pintura, exprimindo plenamente seus princípios reformistas. Aqui, ele abandona a literatura e cria uma mensagem baseada em recursos exclusivamente visuais. Aqui, Delacroix é absolutamente fiel à sua própria crença de que "o primeiro mérito de um quadro é ter sido feito para o olho".
O quadro “A morte de Sardanápalo”, obra imensa, teatralizada, grandiloquente, decadentista como uma dança dos sete véus. Inspirada na poesia de Byron, descreve o assassínio do velho rei assírio durante uma orgia. Entretanto, os corpos nus e retorcidos, o emaranhado de membros humanos, o tumulto da cena pelo exagero de elementos, acabam redimidos pelo hábil uso das cores, revelando a maturidade do pintor então com 29 anos.
Sardanápalo, rei legendário, ordena que uma pira seja erguida para sacrificar todo seu povo a fim de evitar a vergonha da derrota. Mulheres, crianças, escravos, cavalos, são todos lançados no fogo. E por fim ele se imola. Delacroix, pintor dos extremos, escolheu esse tema para representar um espetáculo de horror.

“A Morte de Sardanapalo” (1828)


O poeta inglês Lord Byron, um dos emblemas do romantismo, tinha publicado em 1821 um drama - Sardanapalus - traduzido na França em 1822. Certos historiadores pensam que Delacroix teria extraído sua inspiração dele. O poema narra o trágico fim deste legendario rei de Asiria, que, viu escapar seu poder em consequência de uma conspiração, elegeu, ao se render contar que sua derrota foi ineluctable, se arrojar em companhia de sua favorita, Myrrha, uma escrava, aos lumes de uma gigantesca fogueira. Delacroix parece ter retomado a trama geral do drama de Byron - Myrrha seria a mulher sobre a cama aos pés do monarca -, mas parece, em mudança, que o holocausto das mulheres, dos cavalos e do tesouro, o extraiu de outro autor, Diodoro de Sicília, que narra uma cena análoga em sua Biblioteca histórica:
Para não cair preso do inimigo, fez instalar em seu palácio uma gigantesca fogueira na qual pôs seu ouro, sua prata e todas suas posses de monarca; encerrou-se com suas mulheres e suas eunucos em um espaço habilitado no meio da fogueira, deixando-se assim queimar com sua gente e seu palácio.


Estudo de Nu feminino visto desde atrás, Pastel, sanguina e tiza sobre papel, 40X27 cm
A cor domina, a luminosidade é brilhante. Delacroix utiliza preferencialmente cores cálidas, em particular pigmentos castanhos e vermelhos; deles surgem, pouco a pouco, cores mais claras como o alvo das teias, da túnica ou da pele do cavalo, e os amarelos e anaranjados dos corpos das mulheres. Sobre um grande leito está disposto Sardanápalo. A seu ao redor, se arremolinan pessoas, animais e objectos, em uma composição abigarrada em torno de diferentes eixos que se entrecruzam.
Era sua primeira composição em diagonal. A luz marca uma diagonal que vai desde o monarca asirio, acima no alto, até o homem que está a dar morte a uma mulher, abaixo à direita, que passa pela figura de uma jovem morrida e um homem agonizante, ambos corpos brancos sobre o leito de intensa cor vermelha. Aos pés do leito e adiante da figura da mulher que vai ser assassinada, aparece uma escrava circasiana, cuja pele é mais escura que o resto das personagens.




Estudo para a morte de Sardanápalo, Pastel com trazos de lápiz, sanguna, lápiz negro e tiza sobre papel, 44X58cm
Este quadro supôs o triunfo definitivo da escola romântica em pintura. Para além da história, este quadro aparece como um manifesto da rivalidade entre a pintura romântica representada por Delacroix e o classicismo ou o neoclassicismo representado por Ingres já que Delacroix põe adiante de sua obra esta relação das convenções formais, que recusam as clássicas: estas não são mais que as formas e os sujeitos que o artista põe em valor, além da intensidade das cores, dos contrastes e da luz .




Uma das maiores (3,95 X 4,95 m) e mais complexas pinturas de cavalete de DELACROIX, demonstra sua atração pela violência.
.
DELACROIX encheu seu quadro de incidentes, de formas e cores dinâmicas; contudo, cada uma das partes da pintura gravita em torno da absorvente mobilidade do rei, cujo peso formal soluciona a confusão agitada de corpos e objetos.
O artista retrata o instante de choque em que os servos executam as meninas do harém do rei e os cavalos.
O rei oriental está prestes a morrer, reclina-se sobre a pira funerária, enquanto os objetos que alegraram sua vida são destruídos diante de seus olhos: jóias, jarras e taças preciosas, seus cavalos e mulheres. Os escravos obedecem a suas ordens e a cena é de grande violência, mas o rei não se comove, nem mesmo com o abandono quase sexual das mulheres. Apesar de toda a agitação, é um quadro sereno.
É uma extravagância de corpos torcidos contra um fundo vermelho flamejante.
A despeito do quase caos da composição em forma de cornucópia, a atenção se concentra na figura pesada, imóvel e espiritualmente alheia de Sardanápalo. Não foram desenhados com muita precisão nem o rei, nem os demais figurantes e sim a postura expressiva e o movimento, aos quais acrescentou, ao pintar, a cor e o claro-escuro e as formas turbulentas em amplas pinceladas praticamente compõem um manifesto romântico.
O quadro está cheio de qualidades musicais, com trechos que comunicam seu conteúdo emocional muito antes de serem reconhecidos pelo que representam, com formas que emergem como melodias, para reaparecerem de maneira desenvolvida, e agrupamentos dentro da composição total, que quase parecem os vários movimentos de uma sinfonia.
DELACROIX tinha paixão pela música, que lhe parecia ser a mais pura das artes por seu apelo direto às emoções, e falou muitas vezes de qualidades musicais na pintura.
Escreveu ele: “Existe uma impressão produzida por um determinado arranjo de cor, luz, sombra etc. É o que poderíamos chamar a música de um quadro”.


Em 1828, dá-se o acontecimento talvez mais importante na vida de Delacroix: sua visita ao Marrocos, como membro da delegação que acompanha o Conde de Momay, embaixador da França junto ao sultão daquele país. A missão do artista é documentar gente, terra e costumes, mas a importância do fato está menos nas vantagens que trará ao pintor nos círculos políticos e diplomáticos e mais em termos da expansão de seus sentimentos: o Marrocos, na visão de Delacroix, é o sonho feito existência, o mistério, o exótico, o diferente da cultura e da civilização a que está habituado e que, no fundo, o entediam. O Marrocos é a grande oportunidade que se oferece ao artista: permite que pinte não só sob inspiração de experiências literárias, intelectuais, formalizantes, mas com base em experiências pessoais, sentidas, vividas. Espontâneas.
“As Mulheres de Argel” é seu primeiro trabalho que reflete essa vivência. Embora os críticos façam reparos ao aproveitamento das cores, dizendo que as soluções encontradas aqui por Delacroix poderiam ser mais felizes, é inegável a espontaneidade da obra.


A maneira natural com que a cena é descrita, atingindo dimensões realistas, transmite o sentido direto da relação entre o pintor e seu tema. A literatura e o esforço de reconstrução histórica estão diluídos.
O mesmo acontece com “A Agitação em Tânger” , pintado por volta de 1837/38, ou seja, cerca de quatro anos depois de “As Mulheres de Argel”.



Agora, apura-se ainda mais a expressão do artista, sua percepção apaixonada das coisas: a massa das pessoas, o céu transparente, as casas intensamente iluminadas, o jogo de luzes e sombras transmitem uma vibração sentida, que algumas décadas mais tarde explodiria no Impressionismo.
Nem sempre, porém, Delacroix poderá manter-se nesse rumo, devido às encomendas oficiais que receberá para a execução de grandes pinturas decorativas sobre motivos históricos. Até o fim da vida, sua arte consistirá numa intercalação de trabalhos poéticos, de inspiração subjetiva, e de pinturas grandiosas, narração de episódios militares, lendas medievais e mitologia pagã.
As encomendas oficiais vieram provavelmente em consequência dos desenhos e esboços que Delacroix enviou do Marrocos e que chamaram a atenção das personalidades públicas ligadas ao Governo. Entre elas estava o primeiro-ministro de Luís Filipe, o historiador Thiers, que já conhecia o artista havia muitos anos e o defendera, escrevendo entusiasmado artigo, contra os que criticavam em 1822
“Dante e Virgílio no Inferno”.
Quando o pintor volta do Marrocos, os convites não tardam. Em 1833 recebe de Thiers a incumbência de pintar o Salão do Rei; em 1838, novo pedido, desta vez para decorar a biblioteca do Palácio Bourbon, sede da Câmara dos Deputados. Passam-se dois anos, outra encomenda: pintura da cúpula e de um hemiciclo no Palácio do Luxemburgo, então sede da Câmara Alta. Mas Delacroix não ficara esperando solicitações oficiais para dedicar-se a temas cívicos e políticos. Numa ocasião, voltara-se a eles espontaneamente. É julho de 1830, eclode a revolução que derruba Carlos X do trono e o substitui por Luís Filipe, filho do Duque de Orléans, chamado "Philippe Égalité" por haver participado da Revolução de 1789. O aristocrático Delacroix não participa das escaramuças. Entretanto, entusiasma-se com os acontecimentos e, tomado de súbitos amores pela democracia, pinta “A Liberdade Guiando o Povo”, um verdadeiro manifesto de propaganda, cujo valor enquanto pintura, reside não na retórica mas na habilidade que o artista revela no manejo das cores.


Detalhe curioso da obra é que o próprio pintor nela se fez retratar: o jovem de cartola e fuzil na mão é Delacroix.
“A Liberdade Guiando o Povo” fecha o ciclo das quatro grandes telas de juventude (as outras são “Dante e Virgílio no Inferno”, “O Massacre de Quios” e “A Morte de Sardanápalo”), que, apesar de todas as polêmicas que possam ter suscitado entre os críticos, ou talvez por causa delas mesmo, fizeram Delacroix famoso aos trinta anos de idade. Passado e futuro encontram-se nesses quatro enormes trabalhos de inspiração patriótica ou literária: a execução e os detalhes são tradicionais; a composição e o desenho, renovadores.
Em 1842, entre as encomendas reais e as saudosas lembranças da África (à qual Delacroix chamava "Oriente"), um inesperado interlúdio surge em sua obra. Talvez por fadiga, talvez por querer distanciar-se um pouco do grandioso ou do exótico, pinta “A Educação da Virgem”, em que o tema sacro tão raro em Delacroix é tratado de forma a sugerir meditação concentrada e atenta, calma e harmonia.


Como se um momento de paz e serenidade ocupasse o espírito inquieto do artista. Mas é uma pausa breve. Mesmo quando o pintor retoma o universo religioso, com o “Cristo no Lago Genesaré”, a agitação novamente aparece: as luzes percorrendo os corpos movimentados, as ondas altas, o barco perigosamente inclinado exprimem uma turbulência que só é quebrada pelo sono tranquilo de Jesus, como a indicar que a fé é mais poderosa que a angústia da morte.

Delacroix é agora um homem de cinquenta anos. A fama e o reconhecimento oficial (em 1849 passa a fazer parte do júri do Salão) não lhe atenuam os sonhos e os conflitos íntimos, da mesma forma como a doença (a então incurável laringite tuberculosa) não lhe afeta a espantosa capacidade de trabalho, da mesma forma como a necessidade que experimenta de recolher-se mais e mais não sufoca o antigo desejo de viajar: em 1850 volta à Bélgica, onde revê seus tão queridos quadros de Rubens. Aproveita a ocasião e estendi seu roteiro até a Alemanha. Quando regressa, infatigável, começa a decoração do Museu do Louvre. Quando termina, lança-se à decoração do Salão da Paz, no Hotel di Ville. E escreve: cartas, artigos, um diário começado na juventude e interrompido de 1824 a 1847, apreciações críticas etc. E pinta seus delírios, suas lutas interiores, suas ansiedades. Em 1855, eles rebentam com “A Caça aos Leões”. Os tradicionalistas ficam chocados: "É um caos de tons!", exclamam. "Um absurdo tantos vermelhos, verdes, amarelos, violetas..." Baudelaire, o "poeta maldito", lhes responderá: "Jamais cores tão intensas penetraram até a alma pelo canal dos olhos". Três anos mais tarde, outro quadro, o mesmo título, as mesmas emoções, o mesmo conflito.
O "Rubens doente", "o homem do colete verde" - assim seus contemporâneos o chamavam - quase não abandona o estúdio na praça Fürstenberg. Trabalha o dia inteiro: "Que fazer no mundo, além de embebedar-se, quando chega o momento em que a realidade não está à altura do sonho?" Um dos raros amigos a quem Delacroix permite visitá-lo nota que o pintor vive ultra-agasalhado, embora o ambiente esteja tão aquecido "que até cobras poderiam ali viver felizes".

Nessa fornalha calafetada, trocada de tempos em tempo por uma estada na casa de campo em Champrosay, perto de Paris, tendo por companhia apenas sua governanta, o artista produz seus últimos trabalhos. Da lembrança do Oriente surgem “Cavalos Saindo do Mar” . Não é a pintura de um sexagenário. É uma alvorada de vigorosa juventude, a mesma juventude de espírito que o artista manteria até o fim. E o fim se deu a 13 de agosto de 1863. Delacroix tinha 65 anos.