segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

BEIRA RIO, CONTOS DE APRENDIZ

BEIRA RIO


Em “Beira rio” está centralizada a denúncia sobre a exploração de trabalhadores oprimidos por uma “Companhia”, numa cidade chamada Capitão Borges.
Essa cidade fictícia representa a opressão do trabalhador, a desigualdade social, o autoritarismo versus submissão que, infelizmente, é ageográfico e atemporal. 


   No primeiro parágrafo, o poeta estabeleceu uma conexão com os pontos cardeais, elementos fixos entre os espaços oeste versus leste.
“A oeste ficava os terrenos da Companhia, onde tinham começado as obras para insta1ação da grande indústria. A leste improvisara-se uma cidade, residência de diretores técnicos e operários, chamada Capitão Borges, em honrado desbravador daquele sertão. No meio ficava o rio, que se atravessava de balsa.”
  O leste, local em que o sol nasce, representa a saída para a Europa, o berço da civilização e da cultura, local onde estão localizadas as residências dos poderosos contrapondo-se com o oeste, a Companhia, alegoria da exploração, do fim e da morte.
   Os donos da Companhia buscando a lucratividade máxima através da excessiva exploração do trabalho transformaram as jornadas de trabalho em cargas extensas e sem garantia de remuneração e legislação.

“O dia de trabalho espichava-se por oito horas legais e mais duas de prorrogação, sem pagamento. A Companhia tinha pressa na execução do programa. Como não restassem trabalhadores a recrutar, na região, exigia-se de todos um esforço maior. Quanto à remuneração desse suplemente de serviço, falava-se que iria formando um bolo para o operário receber, acabada a obra, ou quando se retirasse. Falava-se. Mas ninguém sabia  nada ao certo. E fiscal do Ministério do Trabalho, naquelas brenhas...você viu???“

Através de recursos linguísticos como a metáfora, a antítese, o paralelismo, a repetição, a elipse e a ironia, a narrativa conduz a um clima de tensão e de indignação do narrador.

  
“Curiosa vila de Capitão, onde há dez refrigeradores e não há esgotos; muitos meninos, e nenhuma escola; um cinema; uma capela novinha, um posto policial, e o imenso armazém; o mais são casas esparsas, cães à procura de ossos; estrumeira de animais marcando a direção dos caminhos; e o cemitério, já com doze corpos.
   O hotel é da Companhia; o cinema é da Companhia; o armazém é da Companhia. O posto policial foi instalado às  expensas da Companhia, e a capela e o cemitério constituem doações amáveis da Companhia. Mas o único negócio da Companhia é realmente a usina, e se a administração consente em explorar ramos subsidiários, isto se deve a seu espírito benevolente, a seu desejo de servir. - Essas miudezas só dão amolação - explica o subdiretor, que é brasileiro, mas adquiriu sotaque norte-americano.”
   A opressão sofrida por esses trabalhadores reduzidos a meros objetos com gestos estereotipados, intensifica-se quando o negro Simplício da Costa monta, num lugar fora do domínio da Companhia, um comércio onde há aguardente, cujo consumo é proibido pelos dirigentes da usina.
  
  No mundo em que pessoas submetidas ao trabalho contínuo, mecânico tem pouco tempo livre ao lazer torna-se comum abaterem-se pela fadiga física e psíquica. Assim, procuram compensações na bebida que os recuperem do amortecimento dos sentidos.
“Em vão procuraríamos um botequim. Não há. É proibido beber. A proibição não está nas leis de um estado onde se bebe tanto, e mesmo onde se destila cachaça tão fina, sob cinquenta nomes diferentes, e que é fonte considerável de receita pública. Proibição tácita, estabelecida pela Companhia, no interesse dos seus servidores ... bem, e no interesse do serviço. O álcool foi rigorosamente proscrito como o jogo. Verdade seja que há abundância de baralhos e de uísque no grande armazém quadrado. Mas esta é uma seção reservada aos técnicos e à alta administração, que quanto mais bebem e jogam - é admirável - mais trabalham.”


“Bebe-se para esquecer, para lembrar, para fazer de conta  para cortar doença, para aguentar o repuxo,  para zombar da administração. O subdiretor fareja cachaça no ar, dá ordens ríspidas.
   -  Quem beber será expulso no sufragante. E quem vender bebida come cadeia - avisam os chefes de turma.”

A mudança de humor e disposição dos trabalhadores despertou desconfiança aos administradores da Companhia.
Simplício da Costa, “vosso criado”, não temia represálias:

   “- A Companhia manda do lado de lá do rio. Do lado de cá, comanda Simplício da Costa, com a autoridade do Governo. Tirei licença do Governo para negociar. Paguei estampilha na coletoria de Guapó. A Companhia não se meta comigo, que eu racho ela, irmãozinho!”

   O subdiretor da Companhia, então, enviou dois homens de confiança para investigar o caso.


“Eles têm a missão de policiar disfarçadamente os colegas e, quando preciso, descer-lhes a lenha sem dar impressão de que é por ordem superior. Recebem instruções para entender-se com o negro e convidá-lo a remover sua tralha da beira do rio.”

   Os homens retornam contando uma história confusa e exalando bafo de cachaça.
   O subdiretor, então, convida o comandante do destacamento para uma cervejinha no hotel. E, “no dia seguinte, antes de amanhecer, Vosso Criado fazia café quando seis praças cercam a vendinha, e o comandante lhe diz, com uma pressão leve no braço:
   - Vai dando o fora de mansinho que esta venda acabou.” 
 O Negro argumenta que tem Licença do Governo para o comércio, mas, um dos praças, ironiza sua alegação:

   “- Eh, compadre, deixa de caçoada. Licença do Governo está aqui ...
     - Ora, negro, tu acredita em licença? Licença é isto - e fez um sinal às praças.
    Dois soldados amarraram Vosso Criado. Outros dois ficaram de sentinela para obstar a intervenção de algum paisano. E os restantes, entrando na vendinha, começaram a tirar de lá os maços de cigarros, as latas e os pratos de pastéis e de doces, as garrafas escuras, sem rótulo.
   - Tua venda acabou, negro ... Eu não te disse? - falou o comandante para Vosso Criado, que se mantinha digno.
   Recuando o braço para tomar impulso, os soldados lançavam no ar cada objeto, cada garrafa cheia. O volume ia cair no rio, deslizava um momento, depois a água avermelhada engolia a coisa preciosa. O negro, firme.
   - Olha negro, tua cachaça acabou.
   Mas ele não olhava, e parecia crescer, peito estofado, indiferente à destruição do seu estabelecimento.
   - Vamos obrigar esse negro a olhar para o rio, seu comandante?
   - Deixa ele. Tanto faz. Mas andem depressa com esse serviço.
   E as garrafas rolando na correnteza, a venda sumindo. Sumiram as latas, os pacotes de fósforos, um rolo de fumo, que trescalava. A caixa de charuto, abrindo-se no ar, deixou cair uma chuva de níqueis que também soverteu nas águas.
   - Ô diacho! E a gente precisando tanto de cobre, hem, Marcolino!
   - Agora vamos tacar fogo - ordenou o comandante.
   As tábuas de pinho começam a arder. As chamas antecipam a manhã que está a  chegar. Daí a pouco não há mais nada de pé. - Solta esse negro, gente.
   Vosso Criado, já livre, sacode-se, tira desdenhosamente da camisa uma folha queimada, trazida pelo vento, e que se desfaz em Cinza.
   - Agora, negro, finca o pé na estrada e vai olhando sempre para a frente. Se não ...
Empurram-no, mas Vosso Criado não quer correr. Caminha natural num passo pesado, de pés chatos, sem pressa.
   - Eta negro safado, até parece que ele tem costume ...
   Para assustá-lo, os soldados atiram a esmo. Detidos a distância pelas sentinelas, apontador e balseiro contemplam as ruínas.”
    “Beira rio”, conto de estrutura densa explora um mundo de sofrimentos, repressões, fragilidades e, sobretudo, de fatalidade das classes desfavorecidas.
     O negro, Simplício da Costa é a vítima da atrocidade maior dos desmandos dos dirigentes da Companhia, quando tem seu comércio destruído e, sob a mira de uma carabina, obrigam-no a “fincar” o pé na estrada. O desfecho, como grande parte dos contos da obra, fica aberto, pois o negro, chamado ironicamente pelo narrado de Vosso Criado, resiste à ordem dos policiais e não é possível precisar ao certo se ele foi morto ou não nas ruínas, que o apontador e o balseiro contemplam ao final e nas quais poderia estar incluído o corpo do “Vosso Criado”. Essa hipótese é acentuada pela linguagem conotativa utilizada, onde o termo “ruínas” que encerra o conto possui carga simbólica de aniquilamento, metáfora do fim do negro o que conferiria ao conto um efeito funesto.



Um comentário:

Valentin disse...

Estou lendo os contos de aprendiz de Drummond de Andrade. Gosto muito. Faço um curso de português e nÂo entendo algumas coisas

Nâo sei que quer dizer a palavra "Eta" afinal deste conto


- Eta negro safado, até parece que ele tem costume


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