terça-feira, 21 de dezembro de 2010

REVISÃO FUVEST 2011 CONTEXTO HISTÓRICO, SOCIAL E LITERÁRIO DAS OBRAS

1. HUMANISMO:


“AUTO DA BARCA DO INFERNO”, 1517
Gil Vicente pertence ao período histórico-literário chamado Humanismo, ou Segunda Época Medieval. Trata-se de um período de transição do pensamento teocêntrico medieval para uma visão antropocêntrica renascentista.Durante esse período, o homem não rompeu com a ideia criacionista, ou seja, manteve a ideia de que Deus criou a terra e as pessoas, mas mudou a relação entre esses elementos. O mundo não era mais pensado como um ligar de sofrimento e sim um lugar de delícias, onde o ser humano, a mais perfeita das criações divinas, foi colocado para ser feliz, para usufruir dos benefícios e das belezas de tudo o que o rodeia, inclusive do próprio corpo.


Esse período foi marcado pela a crise do sistema feudal e profundas transformações: Peste Negra (1348); a Guerra dos Cem Anos (1346 a 1450), a escassez de mão-de-obra e de mudanças sociais.
O feudalismo já em decadência e a Igreja vivendo uma série de conflitos, chegando a haver dois papas simultaneamente (um em Roma; e, outro, em Avignon, França), dão espaço para o crescimento da burguesia, que já havia conquistado suas riquezas com a exploração do comércio e das atividades bancárias.

2. ROMANTISMO NO BRASIL:
“IRACEMA” (1865) E  “MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS” (1852-1853)

O Romantismo é um movimento que surgiu entre a segunda metade do século XVIII e a primeira do século XIX e que configura um estilo de vida e de arte predominante na civilização ocidental.

No campo artístico refletiu as profundas transformações históricas do período marcado pelo apogeu do processo de transferência da liderança histórica da aristocracia para a burguesia. Esse processo se deflagrou a partir do advento do Iluminismo, da divulgação de suas propostas enciclopedistas, culminando com a Revolução Francesa. Os ideais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” ecoam pelo mundo todo, anunciando transformações.
Os donos do poder não eram mais o clero e a nobreza e, a burguesia contou com o apoio das classes inferiores no processo revolucionário de tomada do poder.
“A urbanização da cidade do Rio de Janeiro, agora transformada em corte, criando uma sociedade consumidora representada pela aristocracia rural, profissionais liberais e jovens estudantes, todos em busca de “entretenimento”; o espírito nacionalista a exigir uma “cor local” para os romances, e não a mera importação ou tradução de obras estrangeiras; o jornalismo vivendo seu primeiro grande impulso e a divulgação em massa de folhetins; o avanço do teatro nacional: estes são alguns dos fatos que explicam o aparecimento e o desenvolvimento do romance no Brasil.” (José de Nicola)
O início do século XIX no Brasil é marcado, em 1808, pela chegada da família real portuguesa, que fugia do conflito entre a França napoleônica e a Inglaterra. No entanto, no Brasil, ainda, apreciava-se a arte barroca-colonial.
Dom João VI e mais uma comitiva de 15000 pessoas desembarcaram na Bahia em janeiro de 1808, mas em março do mesmo ano transferiram-se para o Rio de Janeiro.
A transferência da corte portuguesa para o Brasil e a elevação da colônia a Reino Unido e sede do governo metropolitano renovaram o país. Nessa cidade o soberano português começou uma série de reformas administrativas, sócio-econômicas e culturais, para adaptá-la às necessidades dos nobres que vieram com ele e sua família. Assim, foram criadas as primeiras fábricas e fundadas instituições como o Banco do Brasil, a Biblioteca Real, o Museu Real e a Imprensa Régia.
No século XIX, após um crescimento contínuo da grande lavoura de exportação (cana-de-açúcar), que se confundiu com a expansão do café pelas serras e vales do interior da província do Rio de Janeiro, começaram a aparecer sinais evidentes de que a agricultura brasileira vivia uma profunda crise. Esta crise era atribuída, sobretudo, à falta de braços (pelo fim da escravidão) e de capitais, além do atraso técnico e administrativo na condução das lavouras.
“Iracema” caracteriza-se por forte impregnação lírica: fundada antes no lendário que no histórico.

Esse romance, de caráter lírico, poemático, aproveita o mito e o símbolo como elemento estético que contrasta com a ganância e a falsidade do civilizado europeu.
A obra traz também o “argumento histórico” utilizado pelo autor para sua composição. Nela se dão dados da principal personagem masculina, que corresponde à figura histórica do português Martim Soares Moreno; e das figuras históricas dos índios Poti e Jacaúna, que vão ser recriadas ficcionalmente.


“Em 1603, Pero Coelho, homem nobre da Paraíba, partiu como capitão-mor de descoberta, levando uma força de oitenta colonos e oitocentos índios. Chegou à foz do Jaguaribe e aí fundou o povoado que teve nome de Nova Lisboa.

Foi esse o primeiro estabelecimento colonial do Ceará.
(...) Na primeira expedição foi dôo Rio Grande do Norte um moço de nome Martim Soares Moreno, que se ligou de amizade com Jacaúna, chefe dos índios do litoral e seu irmão Poti.
(...) Como chefes dos tabajaras são mencionados Mel-Redondo no Ceará e Grão Deabo em Piauí. Esses chefes foram sempre inimigos irreconciliáveis e rancorosos dos portugueses e aliados dos franceses do Maranhão, que penetraram até Ibiapaba. Jacaúna e Camarão são conhecidos por sua aliança firme com os portugueses.”
Trata-se de um romance de costumes que vem registrar os traços específicos da sociedade brasileira, em questão a do Rio de Janeiro, ainda antes da Independência, no tempo do rei D. João VI e a família real portuguesa no Brasil.

As procissões, mesclando sacro e profano; a religiosidade; a festa popular e a vadiagem; a Festa do Divino; o Entrudo; os fados; modinhas; lundus; os ritos africanos nos terreiros; a vida forense; os ofícios populares; as súcias dão um caráter documental da época, porém retratados com humor e sátira os comportamentos e os tipos sociais de um estrato médio da sociedade. Tudo é registrado pelo narrador que integra harmoniosamente o documento social da época ao enredo de ação romanesca.
A professora Eliane Zagury afirma que “ao contrário de seus contemporâneos que, descrevendo a vida do Rio de Janeiro, enobreciam-na com véus de retórica ou com a omissão de tudo o que não significasse a elite e o bom gosto. Manuel Antônio de Almeida nos faz conviver com todas as classes sociais em inter-relação e com costumes bons ou maus – descreve todas as indumentárias, de gala ou não, que possam significar vivência social; todas as festas de rua, de igreja e de família”.


3. REALISMO-NATURALISMO NO BRASIL:

“DOM CASMURRO” (1899) E “O CORTIÇO” (1890)


A segunda fase da Revolução Industrial iniciou-se em 1850. Foi quando o processo de industrialização entrou num ritmo acelerado, envolvendo os mais diversos setores da economia, com a difusão do uso do aço, a descoberta de novas fontes energéticas, como a eletricidade e o petróleo, e a modernização do sistema de comunicações.

No aspecto social, estabeleceu-se um distanciamento cada maior entre o operariado (ou proletariado), vivendo em condições de miséria, e os capitalistas.
O mercado de trabalho, a princípio, absorvia todos os braços disponíveis. As mulheres e as crianças também eram atraídas, ampliando a oferta de mão-de-obra e as jornadas de trabalho oscilavam entre 14 e 18 horas diárias. Os salários, já insuficientes, tendiam a diminuir diante do grande número de pessoas em busca de emprego e da redução dos preços de venda dos produtos provocada pela necessidade de competição. Isso sem contar que as inovações tecnológicas, muitas vezes, substituíam inúmeros trabalhadores antes necessários à produção. Aumento das horas de trabalho, baixos salários e desemprego desembocavam freqüentemente em greves e revoltas. Os trabalhadores organizaram-se, então, em sindicatos para melhor defenderem os seus interesses. Diante desse quadro, surgiram novas doutrinas sociais, pregando a criação de uma nova sociedade, livre da miséria e da exploração reinante.
O avanço do capitalismo em meio à exploração e à miséria fermentou o ativismo trabalhista do século XIX, cujo objetivo era destruir as condições subumanas estabelecidas pela industrialização. Em meio a esta efervescência surgiram teóricos que se debruçaram sobre a questão social defendendo a criação de uma sociedade mais justa, sem as desigualdades e a miséria reinantes. Assim apareceram as principais quatro grandes correntes de pensamento: o socialismo utópico, o socialismo científico, o anarquismo e o socialismo cristão. As transformações sociais, políticas, econômicas, científicas, ideológicas e tecnológicas vividas pela sociedade na segunda metade do século XIX, não deixaram espaços para as idealizações românticas.
As novidades da Revolução Industrial trouxeram muitas dúvidas. O pensador escocês Adam Smith procurou responder racionalmente às perguntas da época. Seu livro A Riqueza das Nações (1776) é considerado uma das obras fundadoras da ciência econômica. Para o autor escocês, "o Estado deveria intervir o mínimo possível sobre a economia". Se as forças do mercado agissem livremente, a economia poderia crescer com vigor. Desse modo, cada empresário faria o que bem entendesse com seu capital, sem ter de obedecer a nenhum regulamento criado pelo governo. Os investimentos e o comércio seriam totalmente liberados. Sem a intervenção do Estado, o mercado funcionaria automaticamente, como se houvesse uma "mão invisível" ajeitando tudo. Ou seja, o capitalismo e a liberdade individual promoveria o progresso de forma harmoniosa.

O cientificismo biológico, físico, químico, substitui as emoções e surge uma nova realidade: a Segunda Revolução Industrial.
Atraídos pelo desenvolvimento acelerado e pela ilusão de enriquecimento fácil, multidões abandonam o campo rumo aos grandes centros urbanos.
...E criam novas máquinas; eficientes que substituem a mão-de-obra do operariado.
Desemprego, miséria, mendicância, doença, prostituição: eis o painel do mundo ocidental da segunda metade do século XIX.
No campo das ideias surgem várias correntes de pensamento, buscando a compreensão objetiva do homem e a sociedade: o racionalismo positivista de Augusto Comte; o determinismo de Taine; a psicanálise de Freud; o evolucionismo de Darwin e o socialismo de Marx.
“Para aqueles que entendem a filosofia como um documento de sua época, o positivismo de Auguste Comte representa um caso exemplar. Movido pelo otimismo que decorre da crença no progresso tecnológico, o positivismo desenvolveu um gigantesco esforço para tornar o homem consciente de seu destino histórico, profundamente comprometido com a vocação tecnocientífica do mundo moderno. Nesse sentido, Comte representa a sobrevivência e a afirmação do ideal iluminista adaptado à era industrial. (...) Para Comte, a filosofia não deve ser uma doutrina no sentido tradicional, isto é, não deve apresentar um corpo próprio de saber. Deve conter muito mais um sentido e uma orientação, e atuar como coordenadora do sistema geral de conhecimento. (...) A filosofia, portanto, não tem de se ocupar da reinvenção do saber, mas sim de sua classificação e ordenação.” (Abrão, Bernadette Siqueira. História da Filosofia)
Em outras palavras, os positivistas abandonaram a busca pela explicação de fenômenos externos, como a criação do homem, por exemplo, para buscar explicar coisas mais práticas e presentes na vida do homem, como no caso das leis, das relações sociais e da ética.

O positivismo teve fortes influências no Brasil, tendo como sua representação máxima, o emprego da frase positivista “Ordem e Progresso”, extraída da fórmula máxima do Positivismo: "O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim", em plena bandeira brasileira. A frase tenta passar a imagem de que cada coisa em seu devido lugar conduziria para a perfeita orientação ética da vida social.
Hypolyte Taine (1828-1893) um dos discípulos de Comte tornou-se conhecido pelo pensamento determinista, segundo que, tudo que existe tem uma causa e toda vida humana social se explicaria por três fatores: a raça; que é a grande força biológica dos caracteres hereditários determinantes do comportamento do indivíduo; o meio, pelo qual o indivíduo se acha submetido aos fatores geográficos e, o momento, pelo qual o indivíduo é fruto da época em que vive.

Émile Zola afirmou: “o romance experimental é uma conseqüência da evolução científica do século; cabe-lhe continuar e completar a fisiologia...; ele substitui o estudo do homem abstrato, do homem metafísico, pelo estudo do homem natural, submetido às leis físico-químicas e determinado pelas influências do meio”.
A psicanálise surgiu com Sigmund Freud (1856-1939) e sua principal novidade encontra-se na hipótese do inconsciente e na compreensão da natureza sexual da conduta.

O termo psicanálise possui três sentidos: é um método interpretativo (hermenêutica), uma forma de tratamento psicológico (psicoterapia) e uma teoria, ou seja, um conhecimento que o método produz.
Para a psicanálise, todos os nossos atos têm uma realidade exterior, representada na nossa conduta e, significados ocultos que podem ser interpretados “A energia que preside os atos humanos é de natureza pulsional, e Freud põe em relevo a energia sexual chamada libido. (...) O reservatório das forças pulsionais chama-se id. No entanto, para viver em comunidade, o homem precisa controlar e regular os desejos, adiando a satisfação de alguns e excluindo definitivamente outros...Com isso se forma a consciência moral ou superego. Cabe ao ego maduro estabelecer o equilíbrio entre as forças antagônicas, a saber, o id, regido pelo “princípio do prazer”, e o superego, adequando-se ao “princípio da realidade”.
Charles Darwin (1809-1882) publicou em 1859, “Origem das Espécies”, causando uma grande polêmica na época. A teoria de que o homem é o produto da evolução natural da espécie e demonstrando cientificamente que os seres humanos e os macacos têm um histórico em comum, põe em cheque a existência de Deus. O evolucionismo através das palavras de Darwin prega que: “Ora, enquanto o nosso planeta, obedecendo à lei fixa da gravitação, continua a girar na sua órbita, uma quantidade infinita de belas e admiráveis formas, originadas de um começo tão simples, não cessou de se desenvolver e desenvolve-se ainda!” Darwinismo social é a tentativa de se aplicar o darwinismo nas sociedades humanas. A teoria da seleção natural de Charles Darwin foi uma tentativa de explicar a diversidade de espécies de seres vivos através da evolução. Com a teoria da evolução em mente, diversos cientistas criaram correntes na ciência que defendiam a tese das diferenças raciais entre os seres humanos, da importância de um controle sobre a demografia humana, da possível inferioridade dos povos negros, principalmente no que se refere à inteligência, a alta taxa de criminalidade e o combate contra a miscigenação. De acordo com esse pensamento, existiriam características biológicas e sociais que determinariam que uma pessoa é superior à outra e que as pessoas que se enquadrassem nesses critérios seriam as mais aptas. Geralmente, alguns padrões determinados como indícios de superioridade em um ser humano seriam o maior poder aquisitivo e a habilidade nas ciências humanas e exatas em detrimento das outras ciências, como a arte, por exemplo, e a raça da qual ela faz parte.
Karl Heinrich Marx inverte o processo do senso comum que pretende explicar a história pela ação dos “grandes homens”, ou, às vezes, até pela intervenção divina. Para o marxismo, no lugar das idéias, estão os fatos materiais; no lugar dos heróis, a luta de classes. Sem a inspiração nestas três correntes, admite o próprio Marx, a elaboração de suas idéias teria sido impossível. São elas: a dialética, a economia política inglesa e o socialismo. A ele importava saber: quem produzia, como produzia, com que produzia, para quem produzia e assim por diante. Em segundo lugar uma vez que a base filosófica de todo o pensamento marxista (e, portanto, também de sua visão de história) era o materialismo dialético, Marx queria mostrar o movimento da história das civilizações enquanto movimento dialético. Examinando o desenvolvimento histórico da Humanidade, pode-se facilmente notar que a filosofia, a religião, a moral, o direito, a indústria, o comércio etc., bem como as instituições onde estes valores são representados, não são sempre entendidos pelos homens da mesma maneira.



“Em outras palavras, o que Marx explicitou foi que, embora possamos tentar compreender e definir o homem pela consciência, pela linguagem, pela religião, o que fundamentalmente o caracteriza é a forma pela qual reproduz suas condições de existência. (...) Portanto, para estudar a sociedade não se deve, segundo Marx, partir do que os homens dizem, imaginam ou pensam, e sim da forma como produzem os bens materiais necessários à sua vida. Analisando o contrato que os homens estabelecem com a natureza para transformá-la por meio do trabalho e as relações entre si é que se descobre como eles produzem sua vida e suas idéias”.(Aranha, Maria Lúcia de Arruda, Martins, Maria helena Pires, Filosofando-Introdução à Filosofia)
Machado de Assis captou na sociedade carioca do século XIX, os grandes temas de sua obra. O seu interesse jamais recaiu sobre o típico, o pitoresco, a cor local, o exótico, tão ao gosto dos românticos. Buscou na sociedade do seu tempo, o universal; a essência humana; os grandes temas filosóficos; a essência e a aparência; o caráter relativo da moral humana; as convenções sociais e os impulsos interiores; a normalidade e a loucura; o acaso; o ciúme; a irracionalidade; a usura e a crueldade.


Na obra O Cortiço, Aluísio Azevedo retrata literariamente a realidade do Brasil no século XIX, sua ideologia e as relações sociais presentes no país de capitalismo incipiente em que o explorador vive perto do explorado.

Numa sociedade periférica como a brasileira, o fenômeno de valorização da cidade se reproduz e se intensifica ainda mais no último terço do século XIX, que se assinala por ser o período em que a presença francesa se fez mais forte e influente no Brasil. Haja vista, por exemplo, a magnitude de que se revestiu o Positivismo entre nós. É nesse contexto que vem a lume O Cortiço, obra que tomamos como referência para caracterizar a realidade urbana do Rio de Janeiro a partir de um texto literário.
Aluisio Azevedo produz um rico e diversificado panorama da então capital do Império, num romance bem sucedido que, como o próprio título indica, dedica-se a focalizar as camadas populares, centrando-se na residência coletiva, habitada por uma classe em constituição, a dos trabalhadores manuais livres, em coexistência com os últimos estertores do sistema escravagista.
No século XIX a sociedade se complexifica e consequentemente a cidade cresce. A introdução do trabalho assalariado, substituindo a escravidão, liberou capitais até então empatados, que passam doravante a se destinar a outros ramos de atividade econômica, como uma incipiente indústria, o comércio internacional e os serviços financeiros. Em contrapartida, excedentes de mão de obra livre que são excluídos do campo, uma vez que o pólo cafeeiro se deslocou para o estado de São Paulo, dirigem-se para a cidade, vindo engrossar a fileira dos trabalhadores manuais não especializados. Muitos deles passam a atuar como vendedores ambulantes e prestadores de serviços (ferreiros, torneiros, carroceiros, taverneiros, soldados de polícia, empregados do comércio).
Com isso a cidade se povoa - e, portanto, a literatura. Ela se povoa de "gente graúda" e "gente miúda". O primeiro grupo se compõe basicamente de estrangeiros ricos, que vão integrar a elite social: ingleses financistas, franceses do comércio de luxo, portugueses atacadistas. Somente a última nacionalidade é retratada no romance, através dos dois protagonistas e concorrentes, Miranda e João Romão, que representam dois lados da fortuna e, consequentemente, de comportamento e de posição na sociedade.
O segundo grupo é formado por gente com os mais variados matizes de cor da pele, desde os migrantes internos, provenientes do norte do país como a sensual mulata Rita Baiana ou do interior do estado, todos atraídos pelas possibilidades da embrionária metrópole, até os imigrantes europeus, como os trabalhadores portugueses, italianos e judeus que moram no cortiço. Por sinal sobre eles recaem estereótipos negativos: alguns generalizados, como a barulheira e o mau cheiro do corpo, outros mais específicos, como a avidez do judeu ou a sujeira e a bagunça dos italianos.


4. REALISMO-NATURALISMO EM PORTUGAL:
“A CIDADE E AS SERRAS”, 1901:


Desde o início da década de 1860 os estudantes de Coimbra acompanhavam atentamente o que acontecia de novo nos principais centros culturais da Europa. O acesso a essas informações tornou-os mais críticos em relação à literatura da chamada Escola de Lisboa, cuja visão de mundo romântica considerava ultrapassada.

Essas diferentes visões de mundo resultam, na agitada e polêmica Questão Coimbrã, em que se defrontaram, de um lado, os velhos românticos da Academia de Lisboa e, de outro, os jovens estudantes de Coimbra, seguidores das novas ideias. Naquele ano, Antero de Quental afirmava:
"Todavia, quem pensa e sabe hoje na Europa, não é Portugal, não é Lisboa, cuido eu: é Paris, é Londres, é Berlim. Não é a nossa divertida Academia de Ciências que resolve, decompõe, classifica e explica o mundo dos fatos e das ideias. É o Instituto da França, é a Academia Científica de Berlim, são as escolas de filosofia, de história, de matemática, de física, de biologia, de todas as ciências e de todas as artes, em França, Inglaterra, em Alemanha".
No trecho transcrito, observa-se que, para o poeta português, o que importava era resolver, decompor, classificar e explicar o mundo dos fatos e das ideias. Em outras palavras, ele defendia o pensamento científico.
Os últimos anos da década de 1860 registraram grande agitação política, social e cultural, mas os resultados mais importantes só apareceriam na década de 70, após um ciclo de palestras conhecidas como Conferências Democráticas do Cassino Lisbonense. Dessas conferências participou, com grande destaque, um jovem que havia mantido alheio à Questão Coimbrã, mas que aderiu ao movimento realista e viria a se tornar um dos mais destacados nomes da literatura portuguesa: Eça de Queirós.
Das dez conferências previstas inicialmente, apenas cinco foram pronunciadas. O governo fechou o Cassino e proibiu as restantes porque, segundo as autoridades, ”atacavam a religião e as instituições políticas do Estado”.



5. PÓS MODERNISMO NO BRASIL:

“CAPITÃES DA AREIA”(1937), “VIDAS SECAS”(1938) E “ANTOLOGIA POÉTICA” (1954)


Até 1930, o Brasil ainda era governado pela oligarquia café-com-leite, que monopolizava o poder desde 1894. Outrora muito poderosa, a aristocracia cafeeira viu seu poder econômico e político declinar durante a década de 1920”. (Nicolina Luiza de Petta e Eduardo Aparício Baez Ojeda, História – uma abordagem integrada).



A situação política no Brasil em 1928 e 1929 revelou que, ultrapassando a simples disputa entre forças conservadoras diferentes, estava em curso uma luta de classes que opunha irredutivelmente as classes dominantes, fossem elas ligadas à agricultura ou à indústria, e as classes trabalhadoras, do campo e da cidade” (Edgar de Decca, “O silêncio dos vencidos”).


A prosa modernista da segunda geração modernista brasileira, a fase da “consolidação”, inicia-se em 1928, com a publicação da obra “A Bagaceira”, de José Américo de Almeida, verdadeiro marco na estória literária do Brasil.

Sua importância deve-se mais à temática (a seca, os retirantes, o engenho), e ao caráter social do romance, do que aos valores estéticos e irá se desenvolver até 1945, com a Segunda Guerra Mundial e a eufórica democracia, após Getúlio Vargas ter sido deposto. Nessa busca do homem brasileiro "espalhado nos mais distantes recantos de nossa terra", no dizer de José Lins do Rego, o regionalismo ganha uma importância até então não alcançada na literatura brasileira, levando ao extremo as relações da personagem com o meio natural e social.

O PERÍODO DE 1930 a 1945 E OS EFEITOS DA CRISE

PANORAMA MUNDIAL:

   O período que vai de 1930 a 1945 talvez tenha testemunhado as maiores transformações ocorridas neste século. A década de 1930 começa sob o forte impacto da crise iniciada com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, seguida pelo colapso do sistema financeiro internacional: é a Grande Depressão, caracterizada por paralisações de fábricas, rupturas nas relações comerciais, falências bancárias, altíssimo índice de desemprego, fome e miséria generalizada. Assim, cada país procura solucionar internamente a crise, mediante a intervenção do Estado na organização econômica. Ao mesmo tempo, a Depressão leva ao agravamento das questões sociais e ao avanço dos partidos socialistas e comunistas, provocando choques ideológicos, principalmente com as burguesias nacionais, que passam a defender um Estado autoritário, pautado por um nacionalismo conservador, por um militarismo crescente c por uma postura anticomunista e antiparlamentar - ou seja, um Estado fascista. É o que ocorre na Itália de Mussolini, na Alemanha de Hitler, na Espanha de Franco e no Portugal de Salazar. O desenvolvimento do nazifascismo e de sua vocação expansionista, o crescente militarismo e armamentismo, somados às frustrações geradas pelas derrotas na I Guerra Mundial: este é, em linhas gerais, o quadro que levaria o mundo à II Guerra Mundial     (1939-1945) e ao horror atômico de Hiroxima e Nagasáqui (agosto de 1945).

PANORAMA BRASILEIRO:

No Brasil, 1930 marca o ponto máximo do processo revolucionário, ou seja, é o fim da República Velha, do domínio das velhas oligarquias ligadas ao café e o início do longo período em que Vargas permaneceu no poder.

A eleição de 1º de março de 1930 para a sucessão de Washington Luís representava a disputa entre o candidato Getúlio Vargas, em nome da Aliança Liberal, que reunia Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, e o candidato oficial Júlio Prestes, paulista, que contava com o apoio das demais unidades da Federação. O resultado da eleição foi favorável a Júlio Prestes; entretanto, entre a eleição e a posse, que se daria em novembro, estoura a Revolução de 30, em 3 de outubro, ao mesmo tempo em que a economia cafeeira sente os primeiros efeitos da crise econômica mundial.
A Revolução de 30, que levou Getúlio Vargas a um governo provisório, contava com o apoio da burguesia industrial, dos setores médios e dos tenentes responsáveis pelas revoltas na década de 1920 (exceção feita a Luís Carlos Prestes, que, no exílio, havia optado claramente pelo comunismo). Desenvolve-se, assim, uma política de incentivo à industrialização e à entrada de capital norte-americano, em substituição ao capital inglês.
Uma tentativa contra-revolucionária partiu de São Paulo, em 1932, como resultado da frustração dos paulistas com a Revolução de 30: a oligarquia cafeeira sentia-se prejudicada pela política econômica de Vargas; as classes médias e a burguesia temiam as agitações sociais; e, para coroar o descontentamento, Vargas havia nomeado um interventor pernambucano para São Paulo. A chamada Revolução Constitucionalista explodiu em 9 de julho, mas não logrou êxito. Se Guilherme de Almeida foi o poeta da Revolução paulista, tendo produzido vários textos ufanistas, Oswald de Andrade foi seu romancista crítico, como atesta seu livro Marco zero - a revolução melancólica.
Ainda em 32, a ideologia fascista encontra ressonância no nacionalismo exacerbado do Grupo Verde-Amarelo, liderado por Plínio Salgado, fundador da Ação Integralista Brasileira. Ao mesmo tempo crescem no Brasil as forças de esquerda. Em 1934, elas formam uma frente única: a ANL - Aliança Nacional Libertadora. Tornam-se frequentes os choques entre a extrema-direita e os membros da ANL, até que o governo federal manda fechá-la, por "atividade subversiva de ordem política e social", em julho de 1935. Entretanto, na clandestinidade, a ANL tenta uma revolução, em novembro desse mesmo ano, "contra o imperialismo e o fascismo" e "por um governo popular nacional revolucionário". Os revoltosos previam uma rebelião militar imediatamente acompanhada por revoltas populares, mas o movimento não foi além de três unidades militares, logo derrotadas; milhares de pessoas foram aprisionadas, e o governo obteve um pretexto para endurecer o regime.
Getúlio Vargas, auxiliado pelos integralistas, inicia sua ditadura em 10 de novembro de 1937. O chamado Estado Novo será um longo período antidemocrático, anticomunista, baseado num nacionalismo conservador e na idolatria de um chefe único: Getúlio Vargas. Essa situação se prolongará até 29 de outubro de 1945, quando, pressionado, Getúlio renuncia.
Esses acontecimentos formaram um campo propício ao desenvolvimento de uma literatura engajada caracterizada pela denúncia social, verdadeiro documento da realidade brasileira gerada pela ditadura que se instalou no Brasil com Getúlio Vargas, atingindo um elevado grau de tensão nas relações do indivíduo com o mundo.


      “Em 30 nós vivemos o problema do realismo, ou neo-realismo, socialista ou não, bem como a incorporação daquilo que as vanguardas do decênio anterior tinham proposto como inovação. Vivemos um grande surto do romance, ligado aos pontos de vista opostos na moda pela sociologia e a antropologia, como um triunfo do social contraposto às tendências espiritualistas e religiosas. Houve dilaceramentos e disputas, com a formação de um antipólo metafísico e as mais rasgadas polêmicas que marcaram todos nós.”
                                                                      Antonio Candido, Companhia das Letras, 1993

A prosa de 1930 é chamada de Neo-Realismo pela retomada de alguns aspectos do Realismo- Naturalismo, contudo, ao adotar como componente o lado emocional das personagens adquire características particulares.



Jorge Amado, em largos painéis coloridos, retrata o regionalismo nordestino e a vida citadina de Salvador mostrando a desgraça e a opressão do negro, do pobre, do menor abandonado e do trabalhador, nas zonas cacaueiras e urbanas da Bahia. Através desses tipos marginalizados, apresentados com humanidade, simpatia calorosa e um vivo senso do pitoresco, analisa toda uma sociedade.

Um grande expoente do Modernismo, sua maturidade literária se revela na capacidade de mesclar realismo e romantismo, lirismo poético e documento em sua narrativa, cuja linguagem explicita o falar de um povo e cuja ideologia se sobrepõe na forma de uma necessidade premente de justiça social.



Na década de 30, “o panorama literário apresentava em primeiro plano, a ficção regionalista, o ensaísmo social”.

A sua paisagem nos é familiar: o Nordeste decadente, as agruras das classes médias no começo da fase urbanizadora, os conflitos internos da burguesia provinciana e cosmopolita”. (Alfredo Bossi, j. c., p. 434/435).
O sentimento da terra nordestina é o fio condutor da narrativa, materializado nos ásperos e cruéis embates do homem com a natureza da região. Para tanto se encaminhou para descrição e o estudo das relações humanas em sociedade, lugares, paisagens, cenas, épocas, acontecimentos, personagens-padrão, tipos sociais, convenções, usos e costumes do país, criando assim uma tradição literária de mostrar o Brasil, ou seja, ampliar a visão da terra e do homem brasileiro.
Entretanto, face a desejada e imposta exigência da verossimilhança nos temas regionais era muito difícil atingi-la, pois “a língua e os costumes descritos eram próximos aos da cidade, apresentando difícil problema de estilização: de respeito a uma realidade que não se podia fantasiar” (Antonio Candido, j.c., p 116), pelo que restou certo artificialismo no gênero.
Neste panorama, se faz a contextualização de Vidas Secas no quadro da literatura de 30, vez que, a obra com as matizes do regionalismo, faz um retrato real, cruel e brutal das relações sociais, nitidamente, feudais imperantes no Nordeste do Brasil na época, servindo para demonstrar de forma violenta, com traços do realismo, que aqueles fatos embora até aceitos pela sociedade local, causavam graves lesões ao tecido da pessoa humana, por isto há menos tipos, espaços e condições exóticas, todas inerentes e exigidas pela tradição regionalista do século XIX, que assim, ganha novos contornos, onde a realidade sócio-econômica, também passa a ter grande e quiçá maior relevo.
Graciliano Ramos penetra no pensamento, na carne e na alma de cada um dos membros da família de Fabiano, visando mostrar de forma brutal a discriminação, a cultura e a realidade do sertanejo nordestino.



 
Nas décadas de 30 e 40, a poesia brasileira vive um dos melhores dos seus momentos. Trata-se de um período de maturidade e alargamento das conquistas dos modernistas da Primeira Geração. Maturidade, porque já não há necessidade de escandalizar os meios culturais e acadêmicos e sim, substituí-la por uma poética mais preocupada com o mundo.

A literatura que foi produzida nesse período ganhou um contorno diferenciado ao dialogar com um dos momentos mais agudos da história recente. Nesse momento, a poesia assume um tom politizado e se aprofunda na tentativa de rastrear as complexas relações que o homem tem que travar com o seu tempo.
Em Vinícius de Moraes, a temática universalizante estará presente, embora suplantada por uma poesia personalista. Poeta espiritualista desenvolve uma poesia intimista e reflexiva, de profunda sensibilidade feminina que reforça a tendência de sua geração. Contudo, a sua obra trilha caminhos próprios, caminha cada vez mais para uma percepção material da vida, do amor, da mulher e de indignação social.

















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