quinta-feira, 14 de julho de 2011

GUSTAV KLIMT


“Não há nenhum autorretrato meu. Não me interessa a própria imagem como objeto do quadro, apenas outras pessoas, especialmente femininas, mas ainda me interessam outros fenômenos.”


Gustav Klimt

Gustav KLIMT nasceu em 1862, nas imediações da Viena imperial. O pai era um meticuloso ourives originário da região da Boêmia. A mãe, natural de Viena, queria ser cantora de operetas, mas a precária economia familiar e a numerosa família minaram seu desejo.
Em 1876, Gustav ingressou na Escola de Artes Aplicadas de Viena, que formava professores de desenho, artesões e projetistas. A Escola, diferentemente da tradicional Academia de Belas-Artes, prezava pela formação artística alinhada a disciplinas técnicas, como arquitetura, decoração, cenografia, artes gráficas, ourivesaria e desenho industrial. A orientação prática da instituição respondia à crescente influência da rica burguesia liberal vienense, que pretendia fazer frente à aristocracia por meio da promoção de edifícios e obras de arte. Apesar do espírito inovador, o plano de estudos da escola seguia métodos de ensino artístico tradicionais.
A habilidade de Klimt no desenho impressionou os professores que o transferiu ao departamento de pintura, dirigido por Ferdinand Laufberger. Entusiasta dos mestres renascentistas e barrocos italianos, Laufberger praticava o estilo historicista, bastante apreciado em Viena.
Klimt não desprezou a formação acadêmica recebida nem questionou a pintura historicista. O domínio do naturalismo, o engenhoso uso do desenho e da ornamentação e a habilidade para pintar a figura humana estavam firmemente enraizados no que havia aprendido como estudante.
Na Escola de Artes Aplicadas, Klimt fez amizade com Franz Matsch (1861-1942). Ambos eram estimados pelos professores, que os indicavam para trabalhos remunerados fora da escola. O primeiro deles foi á obra dos vitrais da Votivkirche, a igreja neogótica da Ringstrasse.
Em 1877, quando o irmão mais novo Ernst ingressou na Escola de Artes Aplicadas, formou-se um trio de artistas: Gustav, Ernst e Matsch.
O trio foi incumbido de criar quatro pinturas que simbolizassem a poesia, a música, a dança e o teatro. A seguir, os jovens receberam a encomenda de pintar “A música das nações” para o teto do Balneário Kurhaus, de Karlsbad, e cuidar da decoração do Teatro de Reichenberg. Entre seus clientes, figurou o rei da Romênia, Carol I, que, em 1883, encarregou-lhes uma série de retratos de antepassados para seu palácio de verão em Peles.
Em 1883, o trio fundou a Companhia de Artistas e, em 1885, os três pintores conheceram o arquiteto Karl von Hasenauer, que finalizava a construção de Vila Hermes, a residência favorita da imperatriz Isabel. O trio foi contratado para decorar os cômodos do palácio. Nos dois anos seguintes, suas pinturas decoraram os teatros de Rijeka, Bucareste e Karlsbad.
Por meio de Von Hasenauer, a Companhia de Artistas decorou o teto da entrada e das escadarias laterais do reformado Burgtheater. Essa encomenda era de grande importância, uma vez que as obras haviam sido financiadas pelo próprio imperador, Francisco José I.
Klimt responsabilizou-se por ilustrar as cenas correspondentes ao teatro clássico grego ao auto medieval e à morte de Romeu e Julieta, na qual aparece seu único autorretrato como integrante da plateia na época de Shakespeare.

“O teatro em Taormina”, 1886-1888.


O novo edifício do Burgtheater, erguido na Ringstrasse, situava-se em um formidável bulevar onde estavam os mais esplêndidos edifícios oficiais da nova Viena.
Dedicada à arte dramática da antiga Roma, a obra ilustra uma cena de dança e música no teatro siciliano.
A pintura é composta de três planos. O fundo é dominado por extensa panorâmica da baía da Sicília e por um circo romano. O plano intermediário está ocupado por uma monumental série de colunas. A seus pés, um grupo de patrícios conversa, enquanto outro abandona o recinto.
O plano mais próximo do espectador é reservado à estrita cena teatral. Na borda esquerda aparecem três mulheres junto a uma densa vegetação, uma delas dança ao som dos instrumentos tocados pelas outras duas. No canto direito, um jovem e um ancião, recostados sobre um triclínio, observam as evoluções da dançarina.
A estátua de uma vitória alada, com uma réplica no plano intermediário, domina o centro da cena.
A pintura demonstra caráter historicista, o estilo oficial da época em Viena. De acordo com as exigências do estilo, os pintores empreenderam profundo trabalho de documentação para dotar a cena de veracidade.
Klimt reproduziu com precisão o perfil da baía siciliana vista das ruínas do teatro de Taormina. Abordou com riqueza de detalhes a arquitetura romana, apesar de a descrição do teatro não coincidir com o modelo real.
O anseio por fidelidade arqueológica também pode ser visto nas figuras, especialmente na flautista, inspirada nas pinturas egípcias, em suas vestimentas e adornos.
A influência mais notável é do lorde Frederick Leighton e sir Lawrence Alma-Tadema, renomados autores britânicos de pintura histórica.
A composição carrega o peso e a dureza das linhas arquitetônicas que as figuras não conseguem superar.
O tratamento do nu feminino, a dançarina e a flautista, segue convenções academicistas, bem distante das representações posteriores de Klimt que escandalizariam a sociedade vienense. Não obstante, com a disposição em primeiro plano do atraente corpo da bailarina, o pintor atraiu o olhar do espectador para a provocante nudez, fazendo-o sentir-se como um voyeur que, involuntariamente, participa do erotismo do espetáculo que já conta com os próprios admiradores.
Em 1890, o trio ficou responsável pelas pinturas do hall do Museu de História da Arte. Matsch e os Klimt trataram de pintar 40 espaços entre as colunas, nos quais representaram o desenvolvimento da arte desde o Antigo Egito até o Renascimento. Onze deles, correspondentes ao Egito, à Grécia e ao Renascimento italiano, foram obras de Gustav. As pinturas revelam um estilo independente do jovem pintor, diferente das de Matsch e do irmão Ernst.

“Sala do antigo Burgtheater”, 1888.


A habilidade para reproduzir o rosto de 250 espectadores habituais do Burgtheater rendeu a Klimt o primeiro reconhecimento público como grande retratista.
Gustav se afastava do relato historicista e introduzia elementos contemporâneos, como a atraente vienense que encarna “A jovem rapariga de Tânagra.”
Em 1892, o casamento de Ernst com Helene Flöge, filha de um fabricante de cachimbos, permitiu aos irmãos Klimt o ingresso nas rodas da alta sociedade vienense. Assim Gustav Klimt conheceu Emilie Flöge, então com 17 anos. Os dois estabeleceram uma amizade que duraria até o final de seus dias.

“Retrato de mulher”, cerca de 1894.


Os biógrafos de Klimt lembram que tanto seu irmão Ernst como Gustav ganhavam dinheiro ao pintar retratos a partir de fotografias. Tudo indica que Klimt empregou o mesmo procedimento para mostrar os rostos dos espectadores do Burgtheater e da mulher aqui representada. Além de se ajustar aos requisitos do estilo historicista, o pintor procurou se adequar ao realismo fotográfico, estilo bastante apreciado na época.
“Retrato de mulher” é, por um lado, um exemplo de academicismo mais estrito.
Por outro, o rosto ainda rígido da dama sobre fundo escuro já anuncia características do posterior e mais pessoal estilo do pintor. O gesto desafiante e o olhar firme e penetrante da modelo, que observa diretamente o espectador, são um prelúdio dos rostos de mulheres enigmáticas e herméticas que marcarão sua obra.
Nessa obra é possível perceber o constante interesse de Klimt pelos ornamentos e pela decoração. Os traços enevoados nos ombros e nos cabelos permitem ressaltar o colar e o brinco, demonstrando o cuidado de Klimt com os objetos pessoais portados por suas modelos, talvez pela familiaridade adquirida com as jóias graças ao ofício de ourives de seu pai ou pelo detalhismo documentário exigido pela pintura historicista.
A identidade da modelo do quadro continua sendo uma incógnita.
A morte de seu pai e de seu irmão Ernst, abalou-o profundamente, afastando-o da atividade pictórica durante alguns meses.
Esses tristes acontecimentos motivaram Klimt modificar seu estilo artístico, distanciando-o da pintura histórica.
Neste período de transição, Klimt teve contato com as obras de pintores ingleses, escoceses e belgas além da Secessão de Munique, sobretudo as obras do simbolista belga Fernand Khnopff e do alemão Franz von Stuck. Além destes, tiveram profundo impacto sobre as obras de Klimt, os quadros dos alemães Max Klinger e Max Liebermann, do suíço Arnold Böcklin e do escultor francês Auguste Rodin.
Em 1894, sua crise culmina com a ruptura da parceria com Matsch e a reformulação completa de seu estilo.
Em 1898, em razão da inauguração do palácio da Secessão, Klimt apresentou a composição mitológica protagonizada por Palas Atena, deusa grega protetora da sabedoria, da guerra justa, da inteligência e dos ofícios.

“Palas Atena”, 1898.


A obra causou grande alvoroço. Inspirando-se em um cartaz de Franz von Stuck, o admirado guia da Secessão de Munique, Klimt ofereceu uma imagem inquietante da divindade. A figura apreciada pela Viena oficial, Palas Atenas presidia a entrada do Parlamento e a cúpula do Kunsthistorisches Museum.
Apresentada com seus tradicionais atributos guerreiros: elmo, armadura e lança, a deusa carrega imagem audaz.
Klimt substituiu a clássica figura da Niké, a Vitória alada que Atena sustenta em sua mão direita, pela de uma mulher nua, Nuda veritas, protagonista de uma obra posterior do pintor. Contra a representação clássica, o elmo abaixado mostra a divindade pronta para o combate.
A ostentosa reprodução da cabeça da Medusa e o sombrio motivo do fundo, que representa a luta entre Hércules e Tritão, confirmam o caráter combativo da tela.
Emblema da Secessão em seu confronto com a Sociedade dos Artistas Vienenses, “Palas Atena” simboliza também a ideologia aberta do movimento, que defendia a integração das artes.
A moldura de cobre, obra de Georg, o irmão mais novo do pintor e o formato quadrado respondem a esse espírito. Conforme os secessionistas, o quadrado era a figura geométrica que melhor expressava a ideia da perfeita proporção.
Acima de seu tom reivindicatório, “Palas Atena” é, na opinião dos críticos, a primeira das mulheres fatais de Klimt. Como demonstra sua avermelhada cabeleira, distancia da imagem idealizada e clássica da mulher para se ajustar a um modelo real e contemporâneo do pintor. Cultivado pela arte e pela literatura, o mito da mulher fatal, sedutora maléfica que cativa e submete o varão, povoava o imaginário do homem do fim do século XIX.
Nessa obra, “Palas Atena”, hierática e formosa, a deusa observa fixamente o espectador. Seu olhar reflete o brilho de suas armas e mostra-se, ao mesmo tempo, fascinante e ameaçadora.
O pintor iniciou a campanha com as gravuras “Nuda veridas” e “Inveja”, publicadas em janeiro de 1898 na primeira edição de “Ver Sacrum”, a revista da Secessão e com o cartaz para a primeira exposição da nova instituição, em março do mesmo ano, em que aparecia a figura nua de Teseu atravessando sua espada no Minotauro.

“Nuda veritas”, 1899.


“Nuda veritas” foi apresentada na quarta exposição da Secessão, em 1899.
Assim como “Palas Atena”, o quadro é uma obra combativa, um manifesto em favor da liberdade do artista, que coincide com a inscrição que presidia o edifício da Secessão: “A cada época a sua arte, à arte a sua liberdade”.
Com pouco talento para a escrita, Klimt tornou públicas suas opiniões por meio de obras como “Nuda veritas”, fruto de seu ativismo contra as restrições à liberdade artística.
“Nuda veritas” combina elementos de obras anteriores. A composição vertical, inspirada nas gravuras japonesas colecionadas por Klimt, a figura da mulher; a inclusão do lema e o título em partes separadas, a decoração sinuosa do fundo de estilo “art nouveau” e as duas flores da base procedem da gravura homônima; já a serpente e as flores na cabeleira provêm de “Inveja”. A figura feminina, por sua vez, identifica-se com a pequena Niké que Palas Atena sustenta em sua mão direita.
Pela primeira vez, uma pintura mostrava os pêlos pubianos e rompia com as convenções acadêmicas. Em resposta ao sentido do título, Klimt mostrou uma mulher nua, pintada em tamanho natural, de frente, sem artifícios. Enfeitada com margaridas sobre sua abundante, sensual e ruiva cabeleira, a figura segura um espelho de modo que o espectador adquire a condição evidente de voyeur, para, como apontou um integrante da Secessão, “mostrar ao homem moderno seu autêntico rosto”.
Klimt compôs “Nuda veritas” com intenção de provocar e desafiar; o que se nota pelo rosto ambíguo da mulher. Enquanto sua boca entreaberta constitui um convite à volúpia, seu olhar frio e petrificado a torna inacessível, numa alegoria moderna de Medusa, capaz de vencer os inimigos da nova arte, simbolizados pela serpente da inveja, que jaz a seus pés.
Acima da mulher, sobre fundo dourado, aparece uma citação: “Se não podes agradar a todos com tuas ações e tua arte, tenta agradar a poucos. Agradar a muitos é ruim”, do poeta alemão Friedrich Schiller (1759-1805), que afirma o tom vingativo da pintura.

“Água agitada”, 1898.


Como outros pintores da época, Klimt se sentia atraído pelas mitológicas sereias e ninfas, alegorias da perversidade feminina. Assim, abordou o tema em “Sangue de peixe”, 1898, “Ondinas” (“Peixes prateados”, cerca de 1899), “Peixes dourados” (1901-1902) e “Serpentes aquáticas I e II”, 1904-1907.
Neste quadro simbolista, cinco corpos femininos flutuam indolentes e escorregadios. Uma corrente aquática os transporta, enquanto, semi-oculto no ângulo inferior direito, aparece o rosto de um ser simiesco.
As linhas sinuosas de corpos e ondas seguem no sentido diagonal ascendente. Em torno desse eixo, o fundo da tela apresenta duas porções cromáticas diferenciadas.
A superior é ocupada por cores escuras e a inferior por uma clara cor azulada, que permite apartar a horrível cabeça do canto direito. A mesma figura à espreita pode ser acessada por um artifício compositivo baseado na relação circular dos pontos, olhos e mamilos, que conduz à cabeça de olhos amarelos.
Em 1901, Klimt pintou “Judith I” uma de suas obras mais conhecidas.

“Judith I”, 1901.


Nessa tela o pintor ofereceu uma versão inovadora do mito de Judith, a formosa viúva judia que, para libertar o povo hebreu, seduziu e decapitou o general assírio Holofernes.
Dessa forma, a protagonista, uma jovem de meio-corpo com os seios cobertos por uma blusa transparente, transforma-se no ícone erótico da mulher fatal. Para o homem do fim de século, a obra constituiu uma parábola da ameaça feminina, cujos impulsos sexuais eram considerados insanos.
Como outros trabalhos anteriores, “Judith I” causou polêmica: o rosto contemporâneo da modelo, com seu penteado e suas feições, reflete sem disfarce o prazer sexual de uma mulher que acaba de abater seu amante.
A força da composição se concentra no rosto da mulher que, ligeiramente inclinado, dá a sensação de desfrutar o clímax sexual, como indicam os olhos entreabertos, a insinuante boca, as narinas dilatadas e as bochechas avermelhadas. Enfeitada por um colar largo e dourado, a personagem exerce tal fascinação que os demais elementos parecem acessórios.
A arrogância de Judith é acentuada pela decoração dourada do fundo e pela disposição do quadro, que condena a cabeça do vencido Holofernes ao canto da tela.
Em uma tentativa de veracidade histórica, que coincide com o interesse pelo primitivismo da pintura européia, Klimt reproduziu no fundo os relevos assírios do palácio de Nínive. Em contraste com a paisagem dourada, a cabeleira negra da mulher se confunde com a zona escura do fundo e sublinha a sensação noturna transmitida pela cena.
Apesar de o título da obra estar gravado sobre uma lâmina dourada, o público, especialmente os clientes de origem judia de Klimt, associou a figura a Salomé, a sensual dançarina, encarnação da mulher fatal, responsável pela execução de João Batista.
Em “Retrato de Emilie Flöge”, 1902, ao tomar como modelo vertical os “bijin-e” (estampas de mulheres famosas) japoneses, Klimt aplicou critérios decorativistas pela primeira vez em um retrato.

“Retrato de Emilie Flöge”, 1902.


Sobre fundo sombrio, envolveu a silhueta de Emilie, a quem já havia retratado em outras ocasiões, com luz resplandescente, que atrai o olhar para o vestido. As duas formas à margem da figura, tão pouco definíveis como o espaço da cena exercem a mesma função.
Em pose bastante feminina, Emilie, então com 28 anos, fita diretamente o espectador com gesto decidido que transmite uma forte presença. Usa um vestido decotado, solto, leve e enfeitado ao extremo.
Os motivos ondulados de aspecto pisciforme dominam a tela azulada, repleta de espirais micênicas, círculos e quadrados dourados e salpicada de diminutos detalhes brancos.
O decorativismo do vestido atinge seu ápice na auréola de vistosas cores e formas geométricas que, como um chapéu, assemelha-se a uma estilizada síntese abstrata das flores de “Retrato de Sonja Knips”. Essa espécie de aura secular constitui o primeiro dos elementos ornamentais abstratos do fundo que se repetirão em retratos posteriores.

A partir de 1897, Klimt passou a veranear na região do lago Atter, aos pés dos Alpes austríacos, em companhia da família Flöge. Longe do ambiente cosmopolita de Viena e em contato com a natureza, o artista começou a pintar paisagens, prática que manteve por todos os verões até o fim de sua vida.

Klimt contava com 36 anos quando, em 1898, pintou “Horta”, sua primeira paisagem conhecida. A tela já reunia algumas características de suas obras ao ar livre, como a importância do primeiro plano e a elevação da linha de horizonte.
Livre das convenções acadêmicas, o pintor desenvolveu um estilo próprio, apresentado em 54 telas, o que corresponde a cerca de um quarto de sua produção.
No aspecto compositivo, Klimt pintou suas quatro primeiras paisagens em formato vertical. A partir de 1900, optou pelo quadrado, com o qual desenvolveu a maioria de suas cenas campestres. De acordo com o próprio artista, esse formato “permite conferir ao tema uma atmosfera de paz. A tela quadrada se converte, então, em parte de um todo universal”.

“O bosque de bétulas I”, cerca de 1902


A tela mostra as entranhas de um denso bosque. A elevada linha do horizonte, traçada mediante uma suave diagonal, divide a tela em duas partes. Acima dela vislumbra-se um céu claro que se torna inatingível por causa de uma espessa barreira de árvores.
Ao dificultar a fuga da visão para o horizonte e ao dispor em segundo plano uma massa homogênea de árvores, Klimt concentrou o olhar no solo, onde, com técnica pontilhista, teceu uma tapeçaria de cores densas.
O efeito obriga o espectador a direcionar o olhar sobre as quatro bétulas posicionadas em primeiro plano, especialmente na árvore mais grossa, que, por sua posição central, ordena a composição. Junto à diagonal do fundo, o plano triangular sobre o qual se assentam as árvores constitui um dos elementos mais dinâmicos do quadro. Os troncos dos extremos, de tonalidades mais escuras, acentuam a ilusão de verticalidade.
Embora se trate de uma paisagem, a pintura transmite grande sensualidade, fruto tanto da vegetação sinuosa como dos tons dourados e avermelhados do outono que Klimt misturou no tapete de folhas.
“O bosque de bétulas” parece um exercício de abarrotamento horizontal com figuras verticais.
Ainda em 1902, o palácio da Secessão abrigou uma exposição que resumia a filosofia do movimento. No centro da mostra localizava-se uma escultura dedicada a Beethoven feita pelo artista alemão Max Klinger. Representado como o Zeus do Olimpo, Beethoven era o símbolo do artista-herói. O arquiteto Josef Hoffmann acondicionou o interior do edifício, criando um espaço semelhante ao de uma basílica, com uma nave central, ocupada pela monumental estátua feita por Klinger e duas salas laterais. Em uma delas, Klimt expôs “O friso Beethoven.”

”O friso Beethoven: as forças inimigas”, 1901-1902.


A obra estendia-se por três paredes e consistia em uma alegoria sobre a busca da felicidade, baseada na interpretação que Richard Wagner fez da 9ª Sinfonia de Beethoven. O primeiro painel, na parede esquerda, representava “A aspiração à felicidade”; o segundo, central, “As forças inimigas”; e o terceiro, na parede direita, “Alegria, nobre centelha divina”.
“As forças inimigas” ocuparam a parede estreita da sala. O catálogo descrevia a cena como “Parede estreita: “As forças inimigas”. O gigante Tifeu, contra quem os deuses lutaram em vão; suas três filhas, as Górgonas. A doença, a loucura e a morte. A luxúria, o impudor, a desmesura. Aflição contínua. Os anseios e os desejos da humanidade voam por cima e além deles”.
Esta seção da monumental pintura é a mais barroca de todo o conjunto. Para justificar seu título, Klimt reuniu aqui os elementos mais sinistros do friso. É o mais complexo e colorido dos três painéis e o que despertou as mais coléricas críticas pela falta de pudor das figuras femininas.
A peça se estrutura em torno da brutal figura de Tifeu. Este é representado por um gigantesco símio, símbolo da perversão libidinosa e uma menção às teorias darvinistas.
A criatura desdentada e com olhos esbranquiçados parece fixar o olhar no espectador. Para a direita esticam-se suas gigantescas asas e suas poderosas pernas. Estas são formadas por fileiras de cobra, inspiradas em “Pecado”, 1893, de Franz Von Stuck, no qual uma grande serpente descansa sobre os ombros de uma inquietante Eva, atributos relacionados ao Mal.
Á esquerda de Tifeu estão ás filhas Górgonas. Apesar da atraente feição física, os olhares enviesados e as serpentes douradas nas abundantes e atraentes madeixas negras advertem sobre sua periculosidade. Acima delas emergem rostos terríveis correspondentes à Doença, Loucura e Morte, rodeadas, por sua vez, de outras horrendas máscaras.
Á direita de Tifeu posiciona-se outro grupo formado pelas figuras nuas da Luxúria, da Voluptuosidade e da Intemperança, representada por uma mulher obesa suntuosamente ornamentada, entre sinuosas formas douradas inspiradas no decorativismo da artista britânica Margaret Macdonald. Entre as fileiras de serpente, aparece a Aflição, uma figura de mulher de longos cabelos pretos, envolvida em um escuro véu transparente, que simboliza a tristeza. No extremo superior direito nota-se a presença de uma das figuras flutuantes que representam os anseios da humanidade. Á exceção de Tifeu, o painel é dominado por figuras femininas, as quais Klimt identifica com as forças do mal.
Assim como em “Filosofia” e “Medicina”, aqui voltam a se acumular as figuras. A obra despertou a ira do público e da crítica pelas mulheres nuas que mostram os pêlos pubianos, consideradas pornográficas. Em visita a Viena, o escultor francês Auguste Rodin (1840-1917), por sua vez, elogiou o trabalho, que qualificou como “trágico e imponente”.
Considerada uma obra temporária, concebida unicamente para a exposição, “O friso Beethoven” esteve a ponto de ser destruído junto com outras obras de caráter decorativo.
1. As outras cenas:


Além de “As força inimigas”, “O friso Beethoven” tem outros dois painéis maiores e mais sóbrios. “A aspiração à felicidade”, que simboliza a débil humanidade, apresenta o Homem forte, encarnado por um cavaleiro dourado, a Ambição e a Compaixão. Em “Alegria, nobre centelha divina”, o ser humano encontra o amor puro, simbolizado no beijo final.


2. Luxúria, voluptuosidade e intemperança:

 
Réplica das Górgonas, estas três mulheres simbolizam a satisfação dos sentidos, fonte de prazer, mas também de dor. A mulher ruiva que fita o espectador com jeito provocador representa a Luxúria; a loira dormente encarna a Voluptuosidade e a figura obesa, homenagem ao ilustrador britânico Aubrey Beardsley, simboliza a ávida Intemperança.


3. Aflição:
Afastada do vistoso ornamento dourado que rodeia Tifeu e seu séquito, a Aflição aparece monocromática e envolta em um véu cinza. A macilenta figura é cercada pelos símbolos do pecado, as fileiras de serpente, sentada sobre um assento invisível em postura recolhida e, ao mesmo tempo, vencida. Simboliza a profunda tristeza e a dor que corrói a quem padece diante das forças do mal.

4. Doenças:
Os monstruosos rostos que aparecem sobre as Górgonas, são identificados com a Doença, a Loucura e a Morte. Para sua representação, Klimt inspirou-se nos sintomas das doenças sexualmente transmissíveis, às quais ameaçavam o pintor, como a maioria de seus contemporâneos.

No teto da sala de aula magna da Universidade de Viena, Klimt cuidou das pinturas alegóricas que representariam as faculdades de Filosofia, Medicina e Direito.

“A Medicina”, 1900-1907.

A imagem de Higia, em “Medicina”, é um exemplo que é possível materializar um sonho em pintura, onde tem uma mulher ameaçadora, mais próxima a uma feiticeira do que à deusa da saúde.

“Higia” (detalhe de “Medicina”), 1900-1907.

Com “A esperança I”, Klimt pretendia desafiar a estreita mentalidade estética e social que havia condenado “Medicina”, um de seus três painéis para a Universidade de Viena.


“A esperança I”, 1903.


A presença de uma mulher nua e gestante havia causado indignação entre o público vienense. Desse modo, Klimt começou a pintar “A esperança I” com evidente intenção provocativa. Se a imagem da mulher grávida havia sido considerada até então um tabu pela tradição artística, a representação de uma mulher nua em avançado estado de gestação constituiu um escândalo ímpar.
São conhecidos os diversos boatos sobre a vida de devassidão de Gustav Klimt, nomeadamente em relação às mulheres dos seus retratos que, em grande parte, surgiam nuas e em poses de teor erótico.
A morte de Otto, o segundo filho de Klimt com Mimi Zimmermann, em 1903, deve ter influenciado na execução da obra. Ao que parece, Klimt modificou o fundo original e o substituiu por outro mais ameaçador e agressivo.
Note-se que o interesse do artista residia pura e simplesmente no aspecto físico, nas formas corporais que retratava nas suas obras.
O artista pintou a gestante nua de perfil. A cabeça está inclinada para frente, o rosto, voltado para o espectador; a quem lança um olhar desafiante; as mãos se cruzam em um gesto protetor sobre o ventre. Com cabelo vermelho, pele branca e pêlos pubianos visíveis, a modelo responde ao protótipo da mulher fatal, o que confere ao tema uma interpretação ambivalente.
Apenas a evidência da gravidez e a coroa de flores sobre os cabelos, símbolo de pureza, contrapõem-se ao valor erótico associado a esse tipo de mulher.
O fundo repleto de rostos sinistros e formas monstruosas exerce efeito dissimulatório. Como as figuras de “O friso Beethoven”, as aparições ameaçadoras simbolizam as forças hostis (doença, miséria, crime, luxúria e morte) contra as quais o novo ser deverá lutar. Elas conferem ao quadro um caráter alegórico, com o qual Klimt iniciou a série do ciclo da vida.
Além de “O friso Beethoven”, o pintor já havia utilizado rostos e caveiras com fins alegóricos em outros trabalhos, como “Amor”, 1895, em que rostos de mulheres em diferentes épocas da vida flutuam sobre as cabeças dos apaixonados, ou “Medicina”, 1901, em que há a presença de uma caveira envolta num véu transparente semelhante à que aparece aqui.
Em 1903, Klimt recriou “O cavaleiro dourado”, também conhecido como “A vida, uma batalha”, que havia sido pintado em um dos painéis de “O friso de Beethoven”.

“O cavaleiro dourado”, 1903.


Trata-se da primeira e única alegoria protagonizada por um personagem masculino. Bem afastada da sensualidade da maioria de suas obras, a tela se destaca pela rigidez das figuras, similar à de um mosaico bizantino. Em que pese a sua singularidade, o interesse de Klimt pelo decorativismo persiste no tratamento do fundo, coberto por pequenas pinceladas de cor preta, verde, azul e dourada, a mesma técnica empregada em suas paisagens. A disseminação dos tons dourados garante dinamismo ao fundo.
Sobre o espesso e inquietante fundo aparecem de perfil um cavaleiro, com uma armadura dourada, montado em um corcel negro, com arreios também dourados, como também o são os tijolos que compõem o calçamento. Acima da via nota-se uma margem verde, salpicada de flores de várias cores. No lado inferior esquerdo encontra-se a cabeça dourada de uma serpente, símbolo das forças do mal.
O estatismo domina as figuras. O cavaleiro e o cavalo parecem rígidos, quase imóveis.
À inclinação da fronte do cavalo e do cavaleiro transmitem ilusão de avanço.
A sensação é acentuada com os ângulos agudos formados pelos arreios dourados e pelas seções dos troncos de álamo sob o animal.
A menor densidade de flores sob as patas dianteiras do corcel reforçam o efeito.
A figura equestre teria sido baseada nas representações dos “condottieri” que Klimt deve ter admirado durante suas viagens pela Itália em 1898 e 1903.
A imagem também pode ter sido inspirada na gravura “O cavaleiro, a morte e o demônio”, de Albert Dürer.
Diversos especialistas sugeriram que Klimt representou-se nessa pintura como um cavaleiro que, de acordo com o ideário da Secessão, enfrenta por si próprio a luta pela independência e pela superioridade do artista.

“Serpentes aquáticas II”, 1904-1907.


Klimt retomou aqui o tema do simbolismo erótico relacionado ao mundo aquático e à perturbadora beleza do arquétipo finissecular da mulher fatal. Este quadro também é conhecido como “As amigas”. Em uma ousada e arriscada composição horizontal, pouco habitual em sua produção, o pintor vienense dispôs duas mulheres deitadas, acompanhadas dos rostos semi-ocultos de outras duas.
A disposição dos corpos conduz o olhar do espectador para a direita, onde a presença dos rostos concentra o valor expressivo da tela.
Como em “Água agitada”, os corpos das mulheres, arrastados pela corrente, transmitem intensa carga erótica. O efeito é resultado da nudez, cujo brancor contrasta com o colorido do ambiente e da expressão dos rostos. Estes, por sua vez, delatam, como em “Judith I”, o clímax sexual, que a mulher do primeiro plano convida a contemplar.
De acordo com os especialistas, Klimt buscou inspiração na tela “As três idades da mulher e a morte”, do pintor renascentista alemão Hans Baldung Grien.

“As três idades da mulher”, 1905.


No quadro de Grien observa-se uma menina e uma jovem formosa, unidas por um véu, e uma anciã. Junto ao grupo surge a figura da morte, que segura uma ampulheta, símbolo do inevitável transcorrer do tempo.
“As três idades da mulher” tem formato quadrado. Klimt dispôs verticalmente as três figuras femininas nuas que representam a passagem do tempo.
A organização compositiva ajudou o pintor a mostrar uma versão original do conflito entre juventude e velhice.
À esquerda do eixo central, posicionou a imagem da anciã de perfil. À direita, ofereceu uma inovação ao unir os conceitos de juventude e maternidade com a imagem de uma mãe jovem que segura uma menina em seus braços.
A decoração é um elemento compositivo importante e significativo, já que isola e, ao mesmo tempo, une as personagens.
À primeira vista, mãe e filha parecem estar envolvidas por um manto, enquanto a anciã se encontra fora dele.
No entanto, a continuidade do manto sobre os elementos do fundo garante unidade ao grupo. Como imediato predomínio da decoração sobre o naturalismo na pintura de Klimt, o lado exterior do manto cobre parte do corpo da jovem.
A forma da tela na região da anciã foi inspirada na túnica que cobre um anjo no cartaz desenhado por Alfred Roller para a Exposição Beethoven. Klimt voltaria a reproduzi-la em “A esperança II”, outra alegoria sobre o ciclo da vida e no vestido de “Retrato de Adele Bloch-Bauer I”.
As diferenças no tratamento da cor e do desenho entre o corpo da anciã e da jovem e da menina constituem outros elementos de contraposição. Os tons intensos da pele da anciã contrastam com os translúcidos do par formado por mãe e filha. O elaborado grafismo descrito pelo corpo da anciã se opõe à maior estilização das figuras da jovem e da menina. Os serenos rostos de mãe e filha contrastam com a sensação de solidão transmitida pela anciã. Esta, com jeito abatido e face oculta pela longa cabeleira, cobre a cabeça com a mão esquerda num gesto amargo.
Um comentário comum é que Klimt prescindiu da figura da morte. Porém, a morte é representada na divisão horizontal no fundo da tela e simboliza a ampulheta de Grien. A zona negra é o tempo decorrido. O fundo dourado corresponde à areia do relógio e a chuva prateada são os grãos de areia que se perdem.
A posição mais elevada da figura da anciã representa uma maior proximidade da morte, sublinhada pela mancha negra que aparece a seus pés. A vontade de Klimt de reunir maternidade e juventude diante da velhice o obrigou a manter a zona escura elevada.
O pintor resolveu brilhantemente as limitações do formato, inclinando a cabeça das personagens. Com isso acentuou a sensação de solidão e desespero da anciã diante da proteção, carinho e esperança da mãe e da menina, ao mesmo tempo em que, todas as personagens se inclinam perante a passagem do tempo.
Como o próprio Klimt reconheceu, a imagem da anciã foi baseada em uma escultura de Rodin exposta na Secessão de 1901, “Aquela que foi a bela mulher do forjador de elmos”, 1885, é a imagem de uma anciã nua com costas encurvadas, seios caídos, ventre inchado e pele seca.
Embora Klimt representasse a figura da mãe com atributos concedidos habitualmente ao protótipo da mulher fatal (cabelos ruivos, lábios sensuais e rosto carmim), esta imagem é isenta de sua característica sensualidade. A sensação se deve à presença da menina e à ausência de um olhar perturbador. Com os olhos fechados, todos parecem inocentes.
A forma como Klimt dispôs o manto que cobre a jovem mãe e a menina faz imaginar que se trata de uma peça única, apesar da diferença de estampas. Como outros membros da Secessão, Klimt era autor de desenhos têxteis para trajes suntuosos. Assim, é possível que o pintor atribuísse a parte dos círculos à capa e a dos triângulos, já usados em “O friso Beethoven”, ao forro.
Excelente desenhista, Klimt traçou com precisão naturalista as marcas na pele da anciã. Diante da ausência do rosto, o pintor concentrou sua habilidade em reproduzir as deformações e rugosidades do antebraço e, em especial, da deteriorada mão, metáfora da decadência física.
O sentido cíclico da vida foi disposto em forma de cascata. Klimt manteve na margem superior esquerda um fio dourado salpicado de pontos prateados para facilitar a interpretação do fundo da cena.
Na composição da jovem e da menina, vários detalhes contribuem para reforçar a ideia de maternidade. O mais clássico é o véu que une as duas figuras e que já estava presente na obra de Grien. Símbolo da fertilidade, a planta que sobe da margem inferior tem a mesma função: enlaça mãe e filha e as distingue da estéril anciã.
Em 1904, o arquiteto Josef Hoffmann recebeu a encomenda de Adolphe Stoclet, jovem magnata belga, para construir uma imensa vila em estilo “art nouveau” em Bruxelas. Hoffmann encarregou Klimt da decoração do refeitório com mosaicos de grandes dimensões, que receberam o nome de “O friso Stoclet”. O conjunto é composto de três painéis. Os dois maiores posicionam-se frente a frente nas paredes; o terceiro está pendurado na vertical.
Os dois painéis principais repetem o mesmo fundo: a representação da árvore da vida, que, tomando gravuras japonesas como modelo, ramifica-se em inúmeros espirais. Duas figuras estabelecem as diferença.
No painel esquerdo, conhecido como “A espera”, Klimt pintou uma dançarina; no da direita, “O abraço”, aparecem um homem e uma mulher abraçados. No extremo direito do painel, sobre a densa e geométrica ramificação espiral da árvore da vida, Klimt dispôs, em forma de triângulo, este casal que se funde em um apertado abraço.
O projeto para “O abraço”, com pintura de técnica mista, que mesclou têmpera, aquarela, giz e lápis branco sobre papel.

“O abraço”, 1905-1909.


O homem está de costas, vestido com longa bata que o cobre da cabeça aos pés. Como os quimonos japoneses que o pintor colecionava, a túnica, pintada em vermelho e branco foi decorada com elipses concêntricas, algumas com forma de olho de gato, quadrados e retângulos de diferentes tamanhos, triângulos invertidos, arabescos e vários motivos de pássaros e peixes coloridos.
Na zona inferior, Klimt reproduziu um grande quadrado repleto de outros retângulos pretos, cinza e dourados, uma homenagem ao suntuoso estilo de Hoffmann, que concebeu o interior do Palácio Stoclet com mármore branco, granito negro e detalhes em ouro.
Embora a mulher esteja praticamente engolida pela representação do homem que se apóia em seu ombro, sua figura garante os únicos elementos figurativos do projeto: o rosto e as mãos que envolvem o varão. Para distinguir os personagens, Klimt traçou um contorno sinuoso do vestido da mulher perante o perfil retilíneo da vestimenta masculina. Diferentemente do abraço em “O friso Beethoven”, aqui o gesto se confunde com o decorativismo do fundo e carece de conteúdo narrativo.

“Retrato de Fritza Riedler”, 1906.


“Retrato de Fritza Riedler” marca, para alguns especialistas, o início do período dourado de Klimt.
Essa etapa pictórica caracteriza-se pela aplicação, por meio de pincel ou espátula, de materiais suntuosos, especialmente folha de ouro e prata, nos elementos decorativos dos quadros.
Neste retrato, o pintor retomou o formato quadrado que já havia empregado para pintar “Sonja Knips”. Como naquela ocasião, Klimt posicionou Fritza Riedler em uma poltrona e resolveu a composição do mesmo modo, compondo com o vestido branco uma acentuada diagonal no centro do quadro.
Enquanto a modelo cobre a metade direita da tela, uma representação geométrica e plana, formada por uma sucessão de retângulos que confere uma vaga sensação de profundidade, ocupa o restante. Sobre um intenso fundo vermelho, Klimt distribuiu pequenos quadrados brancos e azuis que sublinham esse efeito. Os dois retângulos dourados dispostos verticalmente na margem esquerda e os dois losangos de prata, dispostos a seus pés, justificam que a obra inaugure o período dourado do pintor.
Apesar de Klimt ter concedido maior importância aos elementos decorativos em seus retratos depois de pintar Emilie Flöge, o decorativismo passou a se destacar no conjunto de sua obra com “Retrato de Fritza Riedler”.
A grande poltrona, coberta de formas elípticas similares a olhos, dispostas em diferentes planos e o semicírculo que, com aspecto de mosaico e repleto de figuras geométricas, aparece atrás da cabeça de Fritza Riedler, impõem-se sobre o olhar ausente, o rosto brilhante, o pescoço, as mãos e os braços da modelo, únicos elementos naturalistas da tela.
O mosaico semicircular, que atrai a atenção do espectador para o rosto da modelo, lembra o toucado que a infanta Teresa da Áustria usa em um retrato de Velázquez, de quem Klimt era admirador.
Fritza Riedler tinha 46 anos quando Klimt fez esse retrato. Pouco se conhece sobre sua vida, exceto que nasceu na Alemanha e se casou com um conselheiro de Viena dez anos mais velho do que ela.
O mito de Danae, a jovem ninfa que Zeus, em forma de chuva dourada, fecundou, inspirou a diversos artistas clássicos.
Antes de “Danae”, Klimt já havia abordado figuras mitológicas ou relacionadas ao mundo clássico em “Palas Atena”, “Nuda veritas” e “Higia”.
Klimt propôs uma composição da cena mitológica completamente inovadora. Eliminou os elementos supérfluos da iconografia clássica e concentrou a ação no momento da fecundação, transformando-o na descrição do êxtase orgásmico.

“Danae”, 1907-1908.


No primeiro plano encontra-se o corpo nu da ninfa, uma potente diagonal de tons quentes encerrada em um oval, em postura fetal, uma proposta inovadora na iconografia do tema. Encaixada nas margens da tela, envolvida por gazes, véus negros com estampas douradas e um halo que contorna sua cabeça, o espaço que a rodeia alude ao claustrofóbico seio materno. Recolhida em si mesma, Danae recebe a chuva dourada entre as coxas.
Seu rosto exibe feições características da imagem finissecular da mulher fatal e está contorcido pelo prazer. Os olhos fechados, as narinas dilatadas, as bochechas ruborizadas, a boca entreaberta, a cabeleira ruiva e solta e a posição dos dedos da mão direita descrevem um orgasmo.
A posição da mão esquerda entre as pernas indica que o motivo da satisfação sexual é a masturbação. Klimt fez numerosos desenhos eróticos e em alguns deles recolheu cenas de auto-satisfação sexual de seus modelos.
A cena tem um pouco de paródico. Como Zeus se disfarçou de chuva dourada para inseminar Danae, Klimt disfarçou a auto-satisfação da jovem com a torrente seminal da divindade.
O predomínio das formas arredondadas sublinha o erotismo que se desprende da própria imagem. A sensualidade é notável no véu que aprisiona os tornozelos da jovem e nos anéis dourados no véu que acaricia seu corpo. As formas arredondadas também integram o fluxo seminal de Zeus, cuja vitalidade é marcante pela disseminação de círculos brancos e dourados e pequenos pontos vermelhos.
Ao final da torrente se aprecia um pequeno retângulo vertical preto. Para alguns especialistas, essa figura geométrica corresponde ao princípio masculino, conforme o vocabulário simbolista de Klimt.
Qualificado como obra-prima, “O beijo” é a pintura mais famosa de Klimt. Após a polêmica suscitada pelas pinturas para a Universidade de Viena, “O beijo” recebeu diversos elogios.
Sua aquisição para compor uma coleção pública estabeleceu o primeiro passo da reconciliação entre Klimt e o governo.
“O beijo” constitui o auge do chamado período dourado do pintor. Desenvolvido entre 1903 e 1909, a fase pictórica caracterizou-se pelo abundante emprego de folhas de ouro, pela suntuosidade dos motivos ornamentais e pelo tratamento da superfície ao estilo dos mosaicos bizantinos de Ravena que tanto impressionaram Klimt durante sua estadia na Itália.

“O beijo”, 1907-1908.


O tema do beijo entre um homem e uma mulher não era inédito para Klimt e os elementos formais e os recursos estilísticos também não são novos: o formato é quadrado, habitual em suas obras; a pintura carece de profundidade; a ação decorre em local indeterminado e em espaço atemporal; a composição mantém o sentido piramidal de obras anteriores; o tratamento decorativo é semelhante ao de um mosaico e os ornamentos mantêm concepção geométrica e abstrata.
O quadro, porém, apresenta particularidades. Disposta no centro da pintura, o casal configura uma estrutura triangular assentada sobre uma linha diagonal ascendente partida de maneira abrupta.
A proposta compositiva criou uma sensação de vazio e instabilidade atrás do casal, que contrasta com a ternura da cena.
Em relação a seus antecedentes, os frisos “Beethoven” e “Stoclet”, a posição dos protagonistas é inovadora.
O homem não aparece de costas, mas de frente e em perspectiva. Sua cabeça com uma coroa de hera é visível, mas o rosto não é identificável. O corpo da mulher, por sua vez está de perfil e seu rosto volta-se para o espectador. Encontra-se ajoelhada, o que induz a imaginar que seu amante também guarda a mesma posição, embora seus pés parecem estar fora de plano.
O fato de o casal se situar no extremo de uma linha ascendente que se quebra, sugerindo um abismo, constitui uma mensagem ambígua. Alguns críticos sugeriram que Klimt oferece uma metáfora pela qual a felicidade do casal reside sobre bases instáveis.
Sobre uma superfície inclinada, repleta de flores, as duas figuras se fundem no abraço. O homem segura a cabeça da mulher, enquanto dá um carinhoso beijo na ruborizada bochecha. A mulher circunda com sua mão direita o pescoço do varão e com a esquerda acaricia a mão dele. O rosto, com os olhos e os lábios fechados, está reclinado sobre o ombro esquerdo dele. A atitude é serena, quase sonhadora. Seus cabelos parecem fazer parte de uma aura floral.
As douradas vestimentas dos personagens são intensamente decoradas, com ornamentação diferente para cada um.
O homem veste uma grande capa como a que usa a figura masculina em “O abraço”, de “O friso Stoclet”. O vestido dela se ajusta às formas de sua anatomia. Conforme a convenção pictórica que associa as formas retilíneas com a masculinidade e as curvas com a feminilidade, Klimt decorou a túnica do homem com retângulos pretos, dourados e prateados. Por sua vez, enfeitou o vestido da mulher com desenhos sinuosos e circulares, alguns dos quais contêm um motivo floral policromático.
As diferenças sexuais se notam também na tonalidade da pele, mais escura no varão, um recurso que Klimt adotou da pintura japonesa e dos papiros egípcios.
O casal isola-se do fundo por uma aura dourada, que cai em cascata nos pés da mulher e que é formada por círculos concêntricos. A brilhante união amorosa desprende um fino pó dourado que se estende sobre o escuro fundo, iluminando-o e concedendo-lhe dimensão mística.
Aqui a figura masculina assume papel ativo, algo incomum na obra de Klimt. Ajoelhada, a mulher mostra atitude passiva, entregue. Não se trata da mulher fatal, habitual nas alegorias de Klimt, mas de uma mulher que se deixa levar por seu amante. Diferentemente do erotismo carnal das representações de beijos de Rodin e Edvard Munch, “O beijo” responde mais à manifestação simbólica do amor que Margaret Macdonald representou nos relevos “A ópera do mar” e “A ópera do vento” para a sala de música de Fritz Wärndorfer; amigo de Klimt e patrocinador da Oficina de Viena.
Apesar de a tela representar a sublimação do amor físico, a carga erótica é sensivelmente inferior à de outras obras de Klimt.
Envoltos por um decorativismo suntuoso, sensual e brilhante, os elementos figurativos do casal parecem destacar mais os sentimentos de ternura do que os derivados do impulso sexual.
Klimt usou o fundo da tela para estruturar a tapeçaria floral sobre o qual descansa o casal.
Em plena etapa dourada, Klimt voltou a tratar o tema da mulher grávida em outra pintura alegórica. A nova versão introduzia variações tanto no aspecto compositivo como no de conteúdo. A mais evidente correspondia ao formato da tela, que passou a ser quadrado, preferido pelo artista. No centro dispôs verticalmente o grupo de figuras. Já utilizado em “As três idades da vida” e “O beijo”, esse esquema adquiriu aqui maior simplicidade, desprovido dos contrapesos dos outros dois.

“A esperança II”, 1907-1908.


Diferentemente de “A esperança I”, a gestante não está completamente nua. Uma longa túnica vermelha decorada com círculos dourados cobre seu pronunciado ventre, deixando os seios à mostra.
A mulher aparece de perfil com o rosto inclinado para frente e com a mão direita levantada em atitude reverencial, postura repetida pelas figuras femininas situadas a seus pés. Com a inclusão da caveira, o conjunto adquire aspecto escultórico que parece extraído de um retábulo barroco e que guarda semelhanças com as emaranhadas composições verticais de “Filosofia” e “Medicina”. A auréola dourada junto à cabeça da gestante sublinha o sentido sacro da pintura.
O olhar desafiante da jovem ruiva de “A esperança I” foi substituído por um rosto cabisbaixo que indica retraimento e submissão. O tom ameaçador da primeira versão desapareceu aqui. A imagem da Morte, simbolizada pelo crânio, rememora as “Vanitas” e “Memento Mori” barrocos.
As formas têxteis profusamente decoradas se impõem à anatomia, deformando-a, como se nota nas rígidas costas da mulher e na ausência do braço esquerdo.
O predomínio da decoração abstrata sobre os elementos naturalistas torna-se mais evidente no grupo de três mulheres no plano inferior que praticamente se confunde com a ornamentação barroca.
Nas duas versões de “A esperança”, Klimt repetiu a presença do véu que, vinculado com a figura da Morte, desliza pelo ventre materno como uma cascata. Azul com desenhos triangulares e manchas amarelas na primeira obra e policromático e repleto de círculos, triângulos, espirais e ovais na segunda, o elemento compositivo é uma referência simbolista sobre a natureza feminina, identificada com a água, origem da vida.
Pintada entre 1907 e 1908, “A esperança II” parece culminar uma trilogia sobre o ciclo da vida composta também de “O beijo” e “Danae”, executados nesse mesmo período, o mais fecundo da etapa dourada de Klimt.
A esta série também poderia incorporar-se “A vida e a morte”, pintura a óleo iniciada em 1908.
Oito anos depois da primeira versão, Klimt representou uma nova imagem de Judith, que mostra diferenças evidentes em relação à anterior.

“Judith II”, 1909.


A primeira particularidade é a dimensão do quadro. Aqui, a personagem foi pintada em tamanho superior à estatura média de uma mulher da época. A altura avantajada confere à pintura uma verdadeira monumentalidade. O efeito é acentuado pela estreiteza da tela. Margeado pelas largas bordas douradas da moldura, o quadro adota o aspecto de um tríptico religioso, com as folhas laterais abertas.
Klimt estruturou a figura de Judith a partir de uma linha partida, o que confere à peça um dinamismo dramático, ressaltado pelo traçado de sinuosos filetes brancos.
Embora os olhos estejam semicerrados e a boca mostre-se entreaberta, Judith está mergulhada em si mesma e evita o olhar do espectador. A tensão sexual, que na primeira versão se concentrava no rosto, irradiou-se para o restante do corpo, como se observa no pescoço esticado e nos seios nus.
A tradução do clímax se concentra na zona da pelve. Ali, as mãos, contraídas pelo prazer, seguram a cabeça de Holofernes, este tem papel secundário, a exemplo da primeira versão.
“Judith II” exibe abundância de elementos decorativos ao estilo do “art noveau” e é uma das últimas pinturas da época dourada de Klimt.
A partir de então, o pintor demonstrou inclinação para novas correntes pictóricas, entre elas o incipiente expressionismo vienense, resultado de sua amizade com o jovem pintor Egon Schiele.
“Senhora de chapéu e boa de plumas”, 1909 constitui uma exceção na carreira artística do pintor vienense e própria de um momento de transição. O quadro de formato vertical retrata uma mulher anônima; a cabeça e o torso ocupam mais da metade da tela.

“Senhora de chapéu e boa de plumas”, 1909.


Essa obra constitui uma exceção na carreira artística do pintor vienense e própria de um momento de transição. O quadro de formato vertical retrata uma mulher anônima; a cabeça e o torso ocupam mais da metade da tela.
Vestida de preto, seu rosto pálido e parcialmente oculto descobre-se entre um boá de plumas e um grande chapéu, enfeitado com um véu de tule azul.
O rosto posiciona-se de frente, mas seus olhos, semicerrados, olham para a esquerda, carregados de nostalgia, desconfiança e cansaço.
A dominante cor preta da tela, dividida horizontalmente na altura dos ombros da dama, reforça o ambiente noturno da cena. Ao fundo, Klimt insinua um cenário urbano com fortes pinceladas.
Com o rosto semicoberto, a mulher exibe o olhar perturbador e sensual das mulheres fatais de Klimt. Os cabelos vermelhos, as sobrancelhas bem cuidadas, o rosto maquiado e os lábios com batom completam o visual da protagonista.
A influência do pós-impressionismo, em especial de Toulouse-Lautrec, é palpável nessa obra.
“Senhora de chapéu e boá de plumas” capta no olhar da mulher a fugacidade de uma cena cotidiana. A pincelada é grossa, visível e cria texturas. Como se nota na porção média da tela, o contraste entre zonas escuras e iluminadas tem finalidade expressiva e dinamizadora. O decorativismo desapareceu.
Assim como fazia com os retratos de mulheres, Klimt também submeteu a natureza à ornamentação. É o caso de “O parque”, tela em que nove décimos da superfície correspondem a uma sólida e impenetrável massa de folhagem.

“O parque”, 1909-1910.


A vegetação foi produzida a partir de um sem-número de pinceladas iguais. Estas se impõem sobre uma pequena faixa inferior pela qual se percebe um reduzido horizonte. Na estreita base destacam-se três troncos, uma delgada faixa gramada, uma sequência mais afastada de troncos e uma cerca-viva aparada.
A tela está dividida horizontalmente em duas partes assimétricas. A superior constitui um heterogêneo mosaico de manchas verdes, azuis e amarelas de tamanho similar; carente de profundidade e idêntico em todas as partes, análogo ao fundo de “O cavaleiro dourado”.
“O parque” se assenta basicamente em três planos descontínuos: os troncos do primeiro plano, a cerca-viva e a linha de troncos do fundo sobre o tom claro. Como consequência, a visão da obra gera confusão no momento em que o observador se dispõe a buscar, entre a espessa massa de folhas superior, alguma correlação com o efeito de perspectiva da base inferior, principalmente quando o autor não distingue os limites das espessas copas das árvores.
“O parque” talvez seja sua paisagem mais abstrata. Apenas a presença dos elementos realmente figurativos, os troncos da margem inferior e entre a folhagem, serve para transmitir conteúdo ao imponente mosaico superior; pintado mediante uma técnica pontilhista.
A tensão entre a abstração da parte superior e o figurativismo da porção inferior evidencia o conflito artístico vivenciado pelo pintor em seus anos de maturidade entre a representação e a criação de uma imagem.
Klimt passou os verões de 1908 a 1912 com Emilie Flöge em Oleander; no povoado de Kammer, às margens do lago Atter. Entre 1908 e 1910, executou três vistas do castelo a partir do lago. As duas seguintes foram feitas em terra firme. “Passeio no parque do castelo Kammer” é a última da série.

“Passeio no parque do castelo Kammer”, cerca de 1912.


Em contraste com a maioria de suas paisagens, que privilegiam a pintura plana, a obra aqui reproduzida constitui uma exceção por sua acentuada perspectiva com ponto de fuga tão baixo.
A partir do verão de 1908, Klimt ensaiou paisagens cuja linha do horizonte descia paulatinamente, como demonstram as diversas vistas do castelo a partir do lago Atter.
Aqui Klimt renunciou à visão frontal e compôs uma perspectiva assimétrica, com o arvoredo do passeio que conduz à entrada do castelo. O pintor deslocou o ponto de vista para a direita para que o espelho do lago aparecesse entre as árvores do lado contrário. Esse movimento gera grande tensão e responde pelo dinamismo da cena.
A sensação de profundidade produzida pelo alinhamento das árvores é acentuada pela elevação dos galhos com densa folhagem.
A frondosa abóbada impede qualquer fuga e dirige o olhar do espectador na direção estabelece pela estreita perspectiva.
Tanto pelo espaço que ocupa na composição como pelo domínio cromático, o arvoredo é o motivo principal da tela, apesar de as cores quentes do castelo, vermelho e amarelo, captarem a atenção no primeiro momento.
Pelo estilo de pincelada e pela gama cromática dominante: tons malva, azuis e verdes, o quadro guarda semelhança com a pintura de Vincent van Gogh. De fato, em 1903, a Secessão organizara uma grande exposição de pintura francesa, na qual esteve presente a obra do pintor holandês.
“A virgem”, 1913 é uma alegoria de conteúdo erótico. O quadro foi pintado em um momento de transição de sua carreira: entre o abandono da época dourada e a adoção de um novo estilo pictórico, que, inspirado pelo incipiente expressionismo de Schiele e Kokoschka, acabou incorporando as características pós-impressionistas.

“A virgem”, 1913.


A estrutura compositiva da tela é baseada em uma forma ovalada disposta em diagonal. Ali Klimt compôs uma pirâmide de jovens mulheres, observadas a partir do ponto de vista zenital. Assentados sobre um acolchoado de flores e tecidos, os corpos se dispõem uns sobre os outros, em espiral, até culminar na figura da virgem. O redemoinho foi inspirado em suas composições feitas para a Universidade de Viena e em “A esperança II”.
A justaposição de corpos tem outro precedente, embora em disposição horizontal, nas ninfas de “Serpentes aquáticas II”.
O conjunto parece girar para a esquerda. A posição das cabeças, a maioria inclinada para esse lado, e, os corpos apontam a direção da rotação. O posicionamento de costas da mulher da esquerda não é fortuita.
Desse modo, sua figura reforça o sentido do giro e não rompe o predomínio mantido pela decoração na metade inferior do oval.
O fundo preto garante à cena um efeito onírico, como se a imagem fosse objeto de um sonho. O contraste entre o fundo escuro e a claridade emitida pelo conglomerado central é atenuado pelo contorno em vermelho do oval.
O ambiente noturno e a combinação de corpos e tecidos parecem inspirados em “Agonia”, obra de Schiele pintada um ano antes.
No centro do conglomerado aparece a virgem, uma jovem dormente, cujo sonho é velado pelas outras que a acompanham. A protagonista descansa despreocupadamente com seus membros esticados em atitude confiante e receptiva, como confirma a serenidade de seu rosto.
Seu corpo está coberto por um tecido de cores frias (azul, malva, violeta e rosa) e desenhos em espiral, que contrasta com os tons quentes que envolvem as jovens das camadas inferiores.
A acentuada curva traçada em seu vestido, dividindo-o em duas áreas de cor e conteúdos distintos, confere sentido ambíguo à atitude da virgem. Embora adormecida, parece iniciar um gesto para espreguiçar. A jovem estaria saindo de um sonho que, como as colegas já despertas, fantasiou o prazer sexual. Se as alegorias eróticas de Klimt se baseiam na captação da expectativa ou do desejo de prazer sexual e da satisfação do mesmo desejo, esse quadro trata da primeira ideia.
A versão definitiva de “A vida e a morte” foi exibida na Secessão de Berlim em 1916.

“A vida e a morte”, 1910-1915.


As modificações alteraram o fundo. A cor originariamente dourada foi substituída por outra azulada e mais escura. Foram adicionados figuras e rostos à coluna de corpos da direita, que ganhou formas mais onduladas. As sinuosidades também afetaram a figura da Morte, mais rígida na primeira versão. Os acréscimos foram motivados pelas mudanças vivenciadas pela pintura de Klimt a partir de 1909. Feita na época dourada, “A vida e a morte” registrou a passagem para uma pincelada mais solta e uma paleta mais sombria.
Como “A virgem”, esse conglomerado de seres humanos forma um emaranhado oval que tende para a esquerda, onde a Morte os aguarda. No centro da massa de corpos destaca-se, por seu frio cromatismo, a cabeça de uma anciã em atitude de prece. Como o restante do conjunto, a figura está com os olhos fechados. Mas, por sua avançada idade e pelo rosto extenuado, pressente a presença próxima da Morte. Enquanto os demais membros parecem adormecidos e dando as costas para a Morte, no extremo superior esquerdo da coluna surge a figura de uma jovem, a única personagem com olhos abertos, que fita diretamente a face da Morte com expressão hipnotizada.
A figura da Morte é caracterizada como um esqueleto vestido com a túnica escura com cruzes negras. Nas mãos segura um cetro vermelho, símbolo de poder. Graças à curvatura das costas do esqueleto e à disposição ladeada do crânio, a inexpressiva caveira mostra um sorriso sarcástico.
Consciente de que, cedo ou tarde, os humanos cairão em suas garras, mantém-se na expectativa.
Conflito entre vida e morte, a tela tem sentido ambíguo. As sinuosidades à direita das vestes da Morte se completam com as do contorno esquerdo da coluna da Vida, cujas cores quentes adicionam dramaticidade à cena. Não se trata de um confronto, mas de um inevitável desfecho, já que o ciclo da vida só se compreende com a presença da morte.
Em janeiro de 1918, após sofrer um acidente vascular que paralisou todo o lado direito de seu corpo, Klimt foi hospitalizado onde morreu de pneumonia em 6 de fevereiro, aos 55 anos.

terça-feira, 12 de julho de 2011

MUSEUS EM OURO PRETO-MG

MUSEU DA INCONFIDÊNCIA


O Museu da Inconfidência é um espaço histórico, artístico, cultural permanente, localizado no edifício da antiga Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica e mais quatro prédios auxiliares, na Praça Tiradentes, em frente ao monumento a Joaquim José da Silva Xavier, na cidade de Ouro Preto-MG.

Trata-se de uma robusta construção do século XVIII, onde predomina a tendência clássica, que pode ser percebida no pórtico de entrada, que se sobrepõe a elementos do barroco e rococó e ostenta geometrização e simetria em sua fachada.


O museu é dedicado à preservação da memória da Inconfidência Mineira (1789), e também oferece um rico painel da sociedade e cultura mineiras no período do ciclo do ouro e dos diamantes no século XVIII, incluindo obras de Manuel da Costa Ataíde e Aleijadinho.

Em meados da década de 30, o presidente Getúlio Vargas determinou que os restos mortais dos Inconfidentes degredados para a África fossem trazidos de volta ao Brasil. Cumprida a missão, os ossos que puderam ser exumados chegaram em 1937.
Numa época em que o resgate da memória brasileira se tornava prioridade tanto para governo quanto para intelectuais, o local para depósito daquelas relíquias só podia ser Ouro Preto.


 
Em 1938, ao ser esvaziado o prédio da antiga Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica, que ultimamente funcionava como Penitenciária Estadual destinou-se um dos seus salões para abrigar o Panteão dos Inconfidentes. Em seguida, como complemento, cria-se por decreto lei do governo federal o Museu da Inconfidência.

O projeto de sua criação do museu envolveu, além do presidente, o então ministro da Educação, Gustavo Capanema.
Terminada a reforma na Casa da Câmara, que incluiu a supressão de acréscimos espúrios e a recuperação do aspecto original do edifício já bastante desfigurado, o Panteão foi inaugurado com o traslado dos restos mortais do grupo em 21 de abril de 1942, na comemoração do 150º aniversário da decretação da sentença condenatória dos inconfidentes
Também foi instalado numa sala contígua o túmulo de Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, a célebre Marília, musa de Tomás Antônio Gonzaga, e um monumento funerário erigido em memória de Bárbara Heliodora da Silveira, esposa e incentivadora de Alvarenga Peixoto.
Entretanto o museu propriamente dito só foi inaugurado em 11 de agosto de 1944, no bicentenário de Tomás Antônio Gonzaga, e sua organização foi saudada na época como avançada para o tipo de museologia praticada no Brasil de então.
Integrando o Grupo de Museus e Casas Históricas de Minas Gerais, na metade da década de 1970, o Museu da Inconfidência passa à condição de Museu Nacional, em 1990.
Em 2003, realizou-se a primeira grande reforma e restauração do edifício, reaberto em agosto de 2006.
O projeto de autoria do arquiteto francês Pierre Catel, responsável, entre outros, pela organização da Casa França-Brasil, no Rio de Janeiro, e do Museu do Oratório, também em Ouro Preto, procurou valorizar seu aspecto arquitetônico e seu acervo, permitindo a exposição de peças guardadas na reserva técnica.
As primeiras peças foram coletadas em várias cidades e vilas da região, especialmente de Mariana.




Getúlio Vargas ordenou a doação ao Museu do “7º volume dos Autos da Devassa” e das traves da forca de Tiradentes que estavam no Rio, e foi adquirida a grande coleção de arte colonial de Vicente Raccioppi. Com o passar dos anos o acervo foi sendo ampliado com aquisições variadas, incluindo a transferência de grande coleção documental em depósito em outras instituições nacionais e regionais e a grande biblioteca de Tarquínio de Oliveira, com mais de 12 mil volumes e que incluía muitas obras raras.

Depois do período inicial, quando a instituição gozou de grande prestígio e publicava um Anuário reputado pela qualidade de seus artigos, a queda de Getúlio transformou o panorama político nacional, e por causa de sua associação com antigo regime, o Museu entrou em uma fase de decadência: o quadro de funcionários foi reduzido a um mínimo; o prédio histórico começou a decair sem receber manutenção; o acervo sofreu; o Anuário foi suspenso e todo o segundo andar teve de ser fechado à visitação.
A situação só mudaria com a chegada de Delso Renault, enviado pelo IPHAN, realizando a recuperação do prédio, o restauro de numerosas peças de mobiliário, a reabertura do segundo piso e instituiu a cobrança de ingressos como forma de obtenção de alguma renda.
A administração seguinte conseguiu manter o ritmo ascendente, e hoje o Museu da Inconfidência voltou a figurar com destaque no rol dos museus nacionais, tendo inclusive incorporado mais quatro prédios como anexos e modernizado todos os seus equipamentos e sistema museográfico.
O Museu possui três anexos;
1. No primeiro, estão o Auditório-sala de projeção, a Sala Manoel da Costa Athaide, de exposições temporárias e a Reserva Técnica;
2. No segundo, funcionam a Diretoria, a Secretaria, os setores de Museologia, Difusão do Acervo e Promoção Cultural, Segurança e o Laboratório de Conservação e Restauração, este com ateliês de pintura, escultura, madeira e papel;
3. No terceiro, encontram-se o Arquivo Colonial, com cerca de 40 mil documentos, a Biblioteca, com 19 mil volumes e os setores: Pedagógico, de Pesquisa e Musicologia. O setor Administrativo ocupa todo o terceiro andar.

MUSEU DE CIÊNCIA E TÉCNICA DA ESCOLA DE MINAS/UFOP:


O Museu de Ciência e Técnica da Escola de Minas foi criado em 1877, como Museu de Mineralogia, pelo francês Claude Henri Gorceix, fundador da Escola de Minas, uma das mais antigas escolas de engenharia do Brasil.

Em 1995, foi ampliado e passou a se chamar Museu de Ciência e Técnica da Escola de Minas.
O Museu registra parte importante do desenvolvimento científico nacional apresentando as coleções em seus setores de Mineralogia, História Natural, Mineração, Metalurgia, Astronomia, Topografia, Desenho e Biblioteca de Obras Raras.
Enriquecido, ano após ano, por doações de ex-alunos, professores, colecionadores, alunos e amigos da Escola de Minas, o Museu cresceu consideravelmente e sua coleção é considerada hoje como uma das maiores do mundo.
O Museu de Mineralogia tem como principais objetivos:
• Coletar, preservar e expor minerais ou peças que estejam diretamente relacionadas com a Mineralogia;
• Contribuir para o aprimoramento do ensino da Mineralogia na Universidade;
• Atender a um público diverso: alunos da Universidade, técnicos, cientistas, pesquisadores e visitantes em geral;
• Divulgar e tornar conhecida a coleção de minerais da Escola de Minas e as riquezas naturais do Brasil e do exterior.
• A coleção de mineralogia teve a sua origem no pequeno número de amostras trazidas pelo fundador da Escola de Minas, o cientista francês Claude Henri Gorceix, em 1875, procedentes do Laboratório de Mineralogia e Geologia, fundado por ele no Rio de Janeiro.
Podem ser vistas no Museu amostras mineralógicas do diamante aos minerais de urânio, amostras curiosas como o quartzito flexível (pedra mole), quartzo com inclusões aquosas, estalactites, belas coleções de topázio imperial, de quartzo, de ágatas, opalas e tantos outros minerais raros.
O visitante do Museu poderá também ver a Capela do Palácio dos Governadores e o Panteão onde se encontram depositados os ossos do fundador da Escola de Minas, Claude Henri Gorceix, transladados da França na década de 70, bem como seus instrumentos de trabalho e pesquisa.



O Museu, atualmente, possui nove setores de exposição: História Natural, Metalurgia, Siderurgia, Desenho, Topografia, Astronomia e Eletrotécnica.

São mais de 30.000 peças vindas de todas as partes do mundo.


MUSEU ALEIJADINHO:


O Museu do Aleijadinho, instalado na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, em Ouro Preto-MG, foi criado em 1968, para reunir em um só espaço, peças de arte sacra e documentos gráficos com a finalidade de conservar, preservar e difundir o precioso acervo da Paróquia.

A denominação do Museu é uma homenagem ao legado artístico do gênio da arte barroca brasileira, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, filho de Manuel Francisco Lisboa, construtor da Igreja Matriz, onde se abriga este Museu.


A nova fase do museu é marcada ainda por uma coleção de totens de madeira que retratam as etapas de elaboração da talha barroca dourada, uma doação da Fundação Calouste Gulbenkian, de Portugal.


A maior parte do acervo encontra-se em exposição permanente em quatro ambientes: Sala da Sacristia, Sala da Cripta, Igreja de São Francisco de Assis e Igreja Nossa Senhora das Mercês. O Museu ainda conta com um novo espaço de exposição permanente no consistório, um mini-auditório e uma sala para projeções de áudio e vídeo nas tribunas do santuário.

O trabalho de museografia é do arquiteto Haron Cohen. A curadoria do Museu é do historiador português José de Monterroso Teixeira, um especialista em cultura barroca. Os espaços foram organizados por temas: “Festa Religiosa” (sala do Consistório, exposição de paramentos litúrgicos, sacras de altar, relicários); “O ouro”, “Encenação da morte” (sala da Cripta, onde estão expostos objetos fúnebres tais como os Leões de Eça e crucifixos) e “Arte da Talha”.


MUSEU GUIGNARD: 
 

Alberto da Veiga Guignard é considerado um dos maiores pintores e desenhistas brasileiros do século XX. Encantado pela paisagem das cidades históricas de Minas, especialmente Ouro Preto, mitificou o tema numa obra que impôs ao respeito e admiração do Brasil.


Ele amava a cidade, suas igrejas, torres e colinas, o casario esparramado pelas ladeiras, balões juninos em revoada no céu.
 

O Museu Casa Guignard inaugurado em 1987, realiza o sonho do artista que nunca chegou a ter em Ouro Preto, uma casa só para ele. O Museu integra o Sistema Operacional da Secretaria de Estado e Cultura de Minas Gerais, através da Superintendência de Museus, instalado em edificação histórica, na Rua Conde de Bobadela, a conhecida Rua Direita, no centro de Ouro Preto. Antes de pertencer ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico, IEPHA-MG, o imóvel foi propriedade da família Costa Sena.

No pátio posterior, a peanha ornamental do nicho de antigo chafariz, em pedra-sabão, é atribuída ao Aleijadinho.
O acervo da Casa Guignard reúne obras do autor, além de objetos por ele pintados e peças que ilustram sua vida. Há, também, trabalhos de Carlos Scliar e Amílcar de Castro, dedicados a Guignard.
Exposições temporárias, projetos de pesquisa do acervo e um programa de ação educativa dinamizam o espaço cultural.
Por meio de pintura, desenhos e objetos, o Museu Guignard oferece visão ampla sobre a trajetória do mestre. O catre do século XVIII e o violão lembram que, diante dele, tudo era suporte para a pintura. A série de “Cartões de Guignard para Amalita” (dedicados a sua amada, Amalita Fontenelle, e suas irmãs, naturais de Campinas, SP) revela a sensibilidade radical de Guignard.


Os cartões, datados de 1932 a 1937, são declarações de amor e amizade feitas através das mais variadas técnicas artísticas. Do desenho à aquarela, passando pelos recortes e colagens, entre paisagens, flores, símbolos gráficos e fitas, as peças trazem à tona o universo mais íntimo de Guignard e já inspiraram até desenho de moda. Reunidos em forma de álbum pelo próprio artista, não se sabe se algum dia chegaram às mãos de Amalita, mas a Superintendência de Museus, com a publicação de edição fac-símile do álbum, assume um compromisso de permitir que a correspondência chegue, pelo menos, aos olhares encantados do público.

MUSEU DAS REDUÇÕES:

“Quem não tiver a oportunidade de viajar pelo Brasil a fora para conhecer as preciosidades da nossa arquitetura, poderá desfrutar da convivência do pequeno mundo de réplicas que o deixarão como que diante do fato real, e aqueles já familiarizados como os modelos não perderão jamais a visita que fizeram: a seu alcance estará sempre aquela rara emoção que produz uma criação artística genuína”.



Rui Mourão

 

Criado em 1986, o Museu das Reduções abriga a obra prima dos irmãos Vilhena, Décio, Ênnio, Evangelina e Sylvia, que após se aposentarem, começaram a perseguir o sonho de reproduzir, em escala reduzida, 1,00 X 25,00, grandes monumentos arquitetônicos brasileiros. Para tanto, a partir de 1978 empreenderam viagens pelo país fotografando, estudando os materiais e fazendo medições das edificações escolhidas.

Com grande originalidade, criaram técnicas e ferramentas especiais, que possibilitaram a reprodução minuciosa desses monumentos, utilizando os mesmos materiais empregados nas construções originais. O resultado de mais de 25 anos de dedicação é exuberante acervo com 27 réplicas perfeitas, que contemplam a arquitetura de 15 estados brasileiros e 5 séculos de nossa história, com inacreditável fidelidade e riqueza de detalhes.