domingo, 8 de julho de 2012

CONSTRUÇÃO, CHICO BUARQUE DE HOLLANDA: ANÁLISE LITERÁRIA



Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
 
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
 
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
 
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
 
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
 
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
 
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo como tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
 
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
 
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
 
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio público
 
Morreu na contramão atrapalhando o público
 
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
 
Morreu na contramão atrapalhando o sábado.

“Construção”, 1971, que, junto com “Pedro Pedreiro”, é uma das canções emblemáticas da vertente crítica, podendo-se enquadrar como um testemunho doloroso das relações aviltantes entre o capital e o trabalho.
Com efeito, “Construção” retoma o filão inaugurado precocemente por Chico Buarque: o da crítica social, tendo como personagem um elemento do proletariado – no caso, coincidentemente, um pedreiro. Pois o protagonista de “Construção”, que não é nomeado, é apenas o sujeito oculto dos verbos na terceira pessoa, parece ser o “Pedro Pedreiro” que esperava o trem nos velhos tempos – nos idos de 1965, talvez um pouco antes - e que agora cai dos “andaimes pingentes” e se despedaça.
Trata-se de um dos textos mais rigorosamente “construídos” do compositor, de estrito rigor formal e apuro técnico. Significativo, aliás, que uma de suas canções mais “engajadas” seja, ao mesmo tempo, a de mais rigoroso travejamento formal.
É interessante ressaltar que “Construção” situa-se no bojo da maré de experimentalismo formal que, vestido das roupagens de “Estruturalismo”, “Construtivismo” e outros ismos vários, predominou entre nós no início da década de 70, tanto no pensamento crítico quanto na produção literária.
Mesmo tendo sido basicamente como o autor de “Construção” que Chico se criou um lugar de cantor dos oprimidos na Música Popular Brasileira, ele recusa, terminantemente, qualquer intencionalidade social no ato de compor essa canção. Em entrevista concedida à revista Status, por exemplo, faz declarações bastante interessantes para se abrir o debate das relações entre “Lírica” e “Sociedade”. Depois de declarar que “problema pessoal não dá samba”, Chico diz que “Construção” não era, dentro dele, uma música de denúncia ou de “protesto”.

Segue um trecho da entrevista:

CHICO: Não passava de experiência formal, jogo de tijolos. Não tinha nada a ver com o problema dos operários – evidente, aliás, sempre que se abre a janela.

STATUS: Portanto, não havia nenhuma intenção na música.

CHICO: Exatamente. Na hora em que componho, não há intenção – só emoção. Em “Construção”, a emoção estava no jogo de palavras (todas proparoxítonas). Agora, se você coloca um ser humano dentro de um jogo de palavras, como se fosse...um tijolo – acaba mexendo com a emoção das pessoas.

STATUS: Então não se liga com intenção?

CHICO: Tudo é ligado. Mas há diferença entre fazer a coisa com intenção ou – no meu caso – fazer sem a preocupação do significado. Se eu vivesse numa torre de marfim, isolado, talvez saísse um jogo de palavras com algo etéreo no meio, a Patagônia, talvez, que não tem nada a ver com nada. Em resumo, eu não colocaria na letra um ser humano. Mas eu não vivo isolado. Gosto de entrar no botequim, jogar sinuca, ouvir conversa de rua, ir a futebol. Tudo entra na cabeça em tumulto e sai em silêncio. Porém resultado de uma vivência não solitária, que contrabalança o jogo mental e garante o pé no chão. A vivência dá a carga oposta à solidão e vem da solidariedade – é o conteúdo social. Mas trata-se de uma coisa intuitiva, não intencional: faz parte da minha formação que compreende – igual aos outros da mesma geração – jogar bola e brigar na rua, ler histórias em quadrinhos, colar, aos seis anos, cartazes a favor do Brigadeiro por causa dos meus pais, contrários ao Estado Novo.

Há nessa fala alguns pontos a serem ressaltados. Em primeiro lugar, há que se equacionar devidamente a afirmação segundo a qual não existe “intenção” na hora de criar. Pode não haver a intencionalidade de uma denúncia, de um recado político, mas, conforme o próprio Chico diz, há o artesanato verbal. E só com “emoção” dificilmente ele encontraria as proparoxítonas certas para ser desenho lógico, que, transfigurado pela poesia, se transformará em “desenho mágico”.

Em segundo lugar, pode-se desentranhar daí uma reflexão (com toda a descontração de quem se propunha a ser publicado por “Status”) de como se faz a ligação entre o individual e o social (em termos hegelianos, a relação dialética entre a parte e o todo, entre o pessoal e o geral): aquilo que Adorno sistematizou de uma maneira definitiva no seu “Discurso sobre Lírica y Sociedad”, e que servirá de análise desse texto. Depois de declarar que “uma corrente coletiva subterrânea funda toda a lírica individual”, diz o pensador de Frankfurt que a participação da corrente subterrânea coletiva se faz graças à experiência histórica (Chico: “Se eu vivesse numa torre de marfim, isolado, talvez saísse um jogo de palavras com algo etéreo no meio...[...] Mas eu não vivo isolado. Gosto de entrar no botequim, jogar sinuca, ouvir conversa de rua, ir a futebol...”). Não é a experiência individual que vale nem a emoção individual, continua Adorno, “mas estas não chegam a ser nunca artísticas, a menos que consigam uma participação no geral por meio, precisamente, da especificação que é o seu estético tomar forma.
Assim, a dimensão social toma existência, na poesia, através da linguagem (o que é uma retomada de uma ideia do jovem Lukács, segundo a qual o social na literatura é a própria forma). Em outras palavras, a linguagem é uma mediação entre o homem e a sociedade. E aqui se toca num ponto de vital importância. É por isso que naquilo que nas palavras de Chico “não passava de uma experiência formal, jogo de tijolos” – o social emergiu com tamanha força. No que Chico declara não passar de um exercício lúdico com a linguagem, num jogo de palavras, transmite-se um tal recado social.
Mas vamos examinar as peças desse explícito jogo de palavras que é “Construção”, onde se mostra sua poderosa força artesanal. O essencial desse jogo consiste no caráter intercambiável dos termos (e, consequentemente, do ser humano aí em questão). As palavras finais de todos os versos, todas proparoxítonas, são substituíveis. Cabe em primeiro lugar perguntar por que proparoxítonas. Há algo de estranhamento numa proparoxítona, de rareza, que Chico tão bem soube capitalizar. Há nela quase que um soluço: a voz se alça e como se suspende lá em cima, caindo em dois tempos. Aliás, instituiu-se em Chico já quase uma “tradição” no manejo com as proparoxítonas.
Esse poema de versos rigorosamente dodecassílabos obedece a um rígido esquema estrutural: um bloco de 4 estrofes de 4 versos: 1 verso isolado (verso 17); um bloco de 4 estrofes de 4 versos (que repetem os 16 versos iniciais, com exceção da última palavra de cada verso, sempre uma proparoxítona); um verso isolado (verso 34); um bloco de uma estrofe de seis versos, constituída por versos retomados do primeiro bloco (com exceção da última palavra, sempre um proparoxítona), a saber: versos 1, 2, 6, 9, 14 e 15. Essa estrofe funciona como uma espécie de condensação ou resumo da canção inteira; um verso final isolado (verso 41).
Evidencia-se uma aflitiva repetitividade que, no limite, sugere o eterno retorno dos gestos sempre retomados, a mecanização do corpo e da vida. Dentro da simetria, da mesmice da estrutura sintática, das regularidades morfológicas, métricas, rítmicas e fônicas que desenham a circularidade do todo, mudam só as últimas palavras, todas proparoxítonas.
Mas os versos isolados, que falam de morte, a saber:

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego (v. 17)
Morreu na contramão atrapalhando público (v. 34)
Morreu na contramão atrapalhando o sábado (v. 41)

Pontuam o texto, introduzindo aí um movimento alterado (e aqui se pode tatear muito bem o parentesco da ironia com a morte, ou melhor a ironia enquanto jogo com o instinto de morte). Pois a partir do verso 17, a linguagem sofre uma desarticulação – como que imitando o despedaçamento que sofre o pedreiro com a queda.
Na realidade, a morte atrapalha. Desorganiza o mundo, perturba o tráfego, o público, o sábado. É a grande dissonância que transforma duplamente: pelo trombolho físico que um cadáver representa, fazendo, por exemplo, com que o tráfego tenha que ser desviado e que os carros andem na contramão (embora o texto desloque para o corpo o fato de ter caído na contramão); e ainda por um segundo aspecto: a necessidade não apenas de sobrevivência, mas também da reprodução da mão-de-obra desqualificada, sem o que o sistema entraria em colapso. Mas se a morte atrapalha, no entanto ela é o limite para o qual tende a reificação provocada pelo trabalho alienado. De “homem” o indivíduo passa a “máquina” (mundo reificado, mas com movimento) e logo a pacote (objeto, mas desprovido de movimento). E interessa ao público antes a máquina que o pacote.
Há assim dois grandes movimentos no texto: no primeiro deles, que compreende as quatro primeiras estrofes mais o verso 17, há uma pertinência quase impecável dos adjetivos em relação a seus substantivos, das orações subordinadas (no caso, comparativas) em relação a seus referentes. Do verso 18 em diante – isto é, depois que a morte foi introduzida no texto – a pertinência se perturba, se embaralha, revelando desarticulação. Compare-se, á guisa de ilustração, os diferentes graus de pertinência, por exemplo, entre:

a) Sentou pra descansar como se fosse sábado (v. 9) e

b) Sentou pra descansar como se fosse um pássaro (v. 38); ou

a) Dançou e gargalhou como se ouvisse música (v. 12) e

b) Dançou e gargalhou como se fosse o próximo (v. 29); ou ainda

a) E flutuou no ar como se fosse um pássaro (v. 14) e

b) E flutuou no ar como se fosse sábado (v. 31).

Em todos os versos a), os adjetivos ou termos comparativos são racionais, lógicos, pertinentes; nos b) o grau de pertinência diminui, quando não desaparece totalmente; embora o rígido esquema estrutural da canção continue o mesmo, em relação ao último termo de cada verso revela-se qualquer coisa de estranho, de desfocado, de incongruente, de inquietante – no limite, de desarticulado. É como se o corpo despedaçado do pedreiro – mimese do corpo social fragmentado, disperso e mutilado – contaminasse a linguagem do poema, desarticulando-a. Deflagra-se uma crise da linguagem.
O próprio caráter de coisa eminentemente “substituível” das proparoxítonas finais, manipuladas como tijolos, revela a sua pouca personificação. A mulher do pedreiro, tanto faz que seja a “única”, ou a “última”; o filho, “único”, ou “pródigo”, do mesmo jeito que as paredes, “sólidas”, “mágicas”, “flácidas”. As palavras são tão intercambiáveis quanto o ser humano reificado. E as alterações, ao fim de cada verso, são tão aleatórias que apenas reforçam a mesmice trágica daquela vida ou daquela morte? Além disso, o torneio sintático – irônico “como se” testemunha uma realidade vivida vicariamente: as personagens agem como se realizassem tais e tais gestos, quase que numa suposição.
Desse conjunto de realidades trocáveis, realçam-se umas tantas proparoxítonas, que aparecem com maior frequência (três vezes cada): último, máquina, sábado, príncipe, bêbado. Todas, extremamente significativas. Com efeito, “último(a)” revela a dramaticidade da cena fatal: a personagem é flagrada nos seus gestos rotineiros, cotidianos, repetitivos, mas executados pela última vez, porque depois sobrevirá a morte. “Último” torna-se assim uma proparoxítona patética, à altura da tragicidade que a cena exige. Por seu lado, “máquina” traduz um dos motivos mais importantes do poema, senão o mais importante, uma vez que o homem, reduzido a um desempenho de trabalho alienado, é desumanizado tanto no trabalho como no amor:

Subiu a construção como se fosse máquina
[...]
Amou daquela vez como se fosse máquina

Aqui mais uma vez uma equivalência entre o afetivo e o social (Marcuse: “Seu desempenho erótico é posto em alinhamento com seu desempenho social”), funcionando o trabalho alienado como instrumento anti-sexual privilegiado. Efetivamente, a compulsão ao trabalho dessensibiliza, embota o indivíduo (cf. “Seus olhos embotados de cimento e lágrima”; “Seus olhos embotados de cimento e tráfego”) e, no limite, o robotiza. Como pode amar um homem “embotado”, isto é, que perdeu o fio, o gume, o corte – o poder de penetração?
Por isso é que “sábado” – símbolo do fim de semana e, portanto, do lazer, aparece também insistentemente. Pois sábado – que significaria a possibilidade da liberação do trabalho compulsivo – surge pela primeira vez no poema pertinentemente, como metáfora de descanso. Mas no caso de pedreiro, trata-se do lazer negado, roubado, que é reservado ao...príncipe. Assim “príncipe” aparece para ressaltar o seu contrário. É referência indispensável numa sociedade de classes, marcando o grotesco da comparação.
Por seu lado, “bêbado” se remete diretamente à desarticulação. Há uma ligação eventual, sugerida, entre a bebedeira e a queda (sentou-comeu-bebeu e soluçou-dançou e gargalhou-tropeçou-flutuou-se acabou), assim como há uma ligação entre a bebedeira e o poder inebriante do ritmo. Do ritmo do trabalho mecânico, repetitivo, alienado, e que é mimetizado pelo ritmo do poema na sua repetividade. A desarticulação a que me referi pode ser figurada como uma “pertinência bêbada”.
Existe nesse poema a construção de uma queda e de uma morte, e devemos estar atentos ao realismo psicológico contido nessa metáfora. A ressonância emotiva do desfecho, no leitor, é demoradamente construída: a personagem é apresentada e ganha movimento, vida e densidade ao longo das estrofes. Suas entidade afetivas são convocadas: a mulher, os filhos. Revelam-se seus hábitos, modos de vida: basicamente os gestos no trabalho (pois todos sabemos que, na classe operária, é este o principal vínculo do indivíduo com a realidade); a hora do descanso; o que come; suas características físicas: “passo tímido”, “olhos embotados de cimento e lágrimas” – a deformação corporal devida ao trabalho. “Cimento e lágrimas”: junção de dois termos tão disparatados entre si, mas que formam a argamassa duma vida de pedreiro. E a queda em si é preparada, através de uma sequência quase cinematográfica: subiu-dançou-tropeçou-flutuou-se acabou-agonizou-morreu.
O pedreiro sobre para cair: é essa a única “ascensão” que a vida lhe permite.
Em “Construção” pode-se decodificar não apenas o “problema social” do operário não-qualificado, que se expõe à morte pela precariedade das condições de segurança no trabalho, mas, alargando-se o campo, pode-se ver aí a alegoria do corpo social fragmentado, de uma sociedade desintegrada e mutiladora, que isola os indivíduos.







segunda-feira, 2 de julho de 2012

CHRIS BURDEN: BODY ART E PERFORMANCE


Artista norte-americano, Chris Burden nasceu em 1946, em Boston, nos Estados Unidos da América. Estudou arquitetura no Pomona College de Clairmont, frequentando depois a Universidade da Califórnia. A partir dos anos 70, desenvolveu uma série de ações nas quais utilizou o próprio corpo como material de trabalho e de comunicação, assumindo-se como um dos protagonistas do movimento da Body Art nos Estados Unidos. A sua primeira apresentação pública data de 1971. Nas suas performances, era evidente a tendência para as ações mais extremas e radicais (quase suicidárias), através das quais procurava questionar algumas práticas sociais e tabus ligados à cultura contemporânea e, simultaneamente, colocar em causa a função da arte e a responsabilidade ética do artista. Nestas ações, Chris Burden sujeitou-se frequentemente a certo número de situações de grande violência e impacto sobre o próprio corpo, como forma a provocar reações na audiência e de abordar alguns medos e tabus íntimos, de caráter individual ou coletivo.
Noutros projetos conceptuais, desenvolvidos na década de 80, Burden abordou a problemática da comunicação de massas através da utilização da rádio ou da televisão. Estas propostas assumem-se menos radicais e violentas e dispensam muitas vezes o uso do próprio corpo enquanto veículo de expressão. Permitem-lhe também introduzir em seu trabalho, temáticas ligadas a questões políticas e sociais como, por exemplo, a Guerra Fria e a ecologia.
Nos anos 90, o artista revelou preferência pela realização de instalações através das quais procura relacionar-se de forma direta com o lugar onde estas se encontram, como se verifica, por exemplo, na peça La Tour des Trois-Museaux, de 1994.

Na performance “Shoot”, 1971, Burden é baleado no braço esquerdo por um assistente num manifesto à Guerra do Vietnã e à indústria de armas, quando “milhares de garotos da minha idade eram alvo de disparos”, lembra Burden. Tornou-se aí um dos precursores do body art.
Para “explorar” a violência, ele fez com que um amigo atirasse em seu braço diante dos convidados numa galeria de Los Angeles. O artista ao contratar alguém para lhe dar um tiro no braço consegue atiçar a curiosidade de quem adquire as fotos desse momento, despertando o modismo.

“Planejei tudo: era para a bala passar de raspão e fazer rolar só uma gota de sangue”, mais tarde explicou. Mas, o que era para ser um tiro de raspão atravessou o braço do artista. E ele passou por meses de terapia após o episódio.

Ainda em 1971, apresentou “Five Day Locker Piece”. O artista se trancou em um armário de 60 cm de largura X 60 cm de altura X 90 cm de profundidade, por cinco dias. Parou de comer vários dias antes de se trancar, tendo acesso apenas a garrafas de água no armário de cima. 


Em “Doorway to Heaven” (“Umbral do Céu”), de 1973, BURDEN ligou dois fios elétricos em seu peito nu, batendo o recorde de cintilação da aura numa impressionante fotografia. 






Uma das mais famosas peças de Burden, "Trans-fixed" teve lugar em 1974, no Autódromo Avenue, em Venice, na Califórnia. Neesta performance Burden deitou-se sobre um fusca e martelou pregos em ambas as mãos, como se ele estivesse sendo crucificado no carro.
O carro foi empurrado para fora da garagem e o motor ligado por dois minutos antes de ser empurrado de volta para a garagem.

Ainda em 1974, Burden apresentou “White Light / White Heat” na Galeria Ronald Feldman, em Nova York. Para este trabalho experimental do desempenho e do perigo de auto-infligir, Burden passou vinte e dois dias deitado em uma plataforma triangular no canto da galeria. Ele estava fora da vista de todos os espectadores que não podiam vê-los também.

Várias outras peças do desempenho de encargos foram consideradas um tanto controverso na época, por exemplo: Burden ficou parado em uma galeria de um museu em uma folha de vidro inclinada, com um relógio correndo nas proximidades. Sem o conhecimento dos proprietários museu, Chris estava preparado para ficar nessa posição até que alguém interferiu de alguma forma com a peça. Quarenta e cinco horas depois, um guarda do museu colocou um cântaro de água em uma curta distância a Burden, que, em seguida, quebrou o vidro, e tomou um martelo para o relógio, terminando assim a peça.

Em “Sem título”, 1974, o artista pegou o ônibus para ir trabalhar, mas como não tinha feito as unhas, furou com prego as próprias mãos. A foto é das mãos de Burden retratando as chagas de Cristo.


Em 1975 Burden criou o plenamente operacional “B-Car”, um carro para um passageiro, que ele descreveu como sendo "capaz de viajar 100 milhas por hora e atingir 100 milhas por galão". Tentou atravessar a fronteira da Holanda com a França dirigindo o veículo, mas foi impedido por policiais. Por não ter placa, a performance foi concluída com o carrinho sendo transportado de caminhão para o território francês, o que, para ele, tirava o sentido da obra.


Alguns de seus outros trabalhos desse período são “Diecimila” (1977), uma falsificação de uma nota italiana de 10.000 liras, possivelmente o primeiro trabalho de “fine arts” impresso de ambos os lados e a instalação CBTV (1977), uma reconstrução do primeiro feito televisão mecânica.

Em 1978 tornou-se professor na Universidade da Califórnia, Los Angeles, mas se demitiu em 2005 devido a uma controvérsia sobre a universidade, que alegou utilização incorreta de um estudante em sala de aula que ecoava um do próprio desempenho de peças Burden.

Em “The Speed of Light Machine” (1983), reconstruiu uma experiência científica para "ver" a velocidade da luz.

Em 1984, substituiu o corpo pela escultura. “Beam Drop” foi uma reação ao yuppismo ascendente, a ética do progresso individualista sob Ronald Reagan, e à especulação imobiliária que terminou de cobrir Manhattan de arranha-céus.
Burden compara sua escultura a um jogo de palitinhos e afirma “zombar da arquitetura”. “Estou sendo subversivo”, resume.
“É infantil jogar vigas de aço sem propósito dentro de um buraco, é brincar com a idéia de prédio moderno.”

“A bala que penetra a carne e as vigas que rasgam o concreto molhado parecem se mover à base de testosterona. (...) Você vê que algo muito violento aconteceu, onde entraram as vigas, os respingos de concreto, os arranhões", diz Burden. "É um evento catastrófico que ficou petrificado."


Nas palavras do curador de Inhotim, Rodrigo Moura, "cada viga que cai é como o corpo do artista". Burden vai além. "Se eu fosse Deus, faria todas as vigas caírem ao mesmo tempo", delira. "Eu prefiro sempre o caos."

"É como fazer sexo." Lançar mais de 70 vigas de aço de uma altura de 40 metros numa piscina de concreto molhado foi uma experiência quase erótica para o artista Chris Burden.

A obra teve mostras temporárias e permanentes. Burden havia montado a obra em 1984, no Art Park, em Nova York. Destruída alguns anos depois, refez em 2008 sua “Beam Drop” (queda de viga), em Inhotim. O resultado é uma mega escultura que ao mesmo tempo contrasta e se integra à paisagem, dá o seu recado, e por dentro cria efeitos e sensações que dependem do espectador.
O original foi destruído quando o governo do Estado americano viu que não podia bancar a manutenção do parque onde estava a escultura e limpou o terreno para oferecer aulas de pintura a dedo.


No topo do monte, as vigas tortas apontam para o céu. E o emaranhado de aço que parece brotar da terra vermelha desfaz qualquer noção de progresso associada à verticalidade. Sobre a mancha verde que abraça os pavilhões de Inhotim, Burden fez uma antiarquitetura disforme, espécie de monumento ao caos.
Em sua última passagem pelo Brasil, Burden remontou a escultura performática “Beam Drop”. O americano subiu uma montanha de Brumadinho, no interior mineiro, com caminhões, guindastes, ambulâncias, carro de bombeiro, uma equipe de assistentes e toneladas de vigas metálicas. Sob uma tenda de plástico, passou 12 horas vendo cada uma despencar no momento certo, repetindo uma escultura que fez há 25 anos em Nova York.


“Medusa’s Head” (1990): a cabeça da medusa; 426,7 cm de diâmetro; feito de cimento; trilho de trem; pedra, que apresenta dificuldade para transportar e necessita de um local apropriado para expor.


Em 1996, expôs seus encargos “Fist of Light” na Bienal de Whitney, em Nova York. Ela consistia de uma caixa de metal de tamanho de uma cozinha com centenas de lâmpadas de halogênio queimando por dentro. Foi necessária mais de uma dúzia de aparelhos de ar condicionado industrial para resfriar o quarto.

“Urban light” é um aceno: “isso soa piegas, mas quando você anda através das luzes para o museu, é como um caminho para a iluminação. É simbólico”.


São 202 postes da antiga rede de iluminação da cidade de Los Angeles, adquiridos ao longe de sete anos e restaurados por Burden em um longo processo, que culminou com a aquisição da obra pelo LACMA, o Los Angeles Country Museum.
As bases de exibição elaboram padrões florais e geométricos; os eixos de pregas e globos de vidro foram meticulosamente restaurados, pintados e remodelados para criar um brilho exuberante, dispostas de modo que o visitante possa caminhar entre eles.


Dispostos em formação cerrada, com o pé mais alto cerca de 30 metros no centro na parte de trás, ladeado por outros de diversas alturas e formas, com o menor pé cerca de 20 metros de altura, as luzes parecem com um pelotão de soldados prontos para marchar.

“Samson”, 1985, trata-se de um grande macaco-hidráulico colocado entre duas paredes da galeria, afastadas por uns 15 metros.


Na estrada da galeria, cada pessoa, para se aproximar da obra deveria passar por uma roleta que estava conectada ao mecanismo que a cada passagem pressionava um pouco mais o macaco contra a parede da galeria.
Um trabalho incrível que coloca o espectador como participante da destruição da obra e da galeria, ou se preferirmos, da transformação da obra.

Chris Burden é casado com a artista multimídia Nancy Rubins. Atualmente vive e trabalha em Los Angeles.